Psicopatia na política

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A psicopatia na política é um tema amplamente estudado por psicólogos e cientistas políticos. O termo “psicopatia”, no senso comum, refere-se à falta de empatia de um indivíduo, falta de remorso e incapacidade de desenvolver relacionamentos significativos. Caracteriza-se por um senso grandioso de si mesmo, impulsividade e agressividade. Esses indivíduos geralmente buscam posições de poder e influência, pois podem usar seu carisma e habilidades manipuladoras para conseguir o que desejam.

Para conhecer detalhes sobre a psicopatia, veja nossas matérias sobre o tema:

Aptos para serem antiéticos: a psicopatia funcional

Sociopatia e a psicopatia: quais as diferenças?

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Psicopatia

A presença de psicopatas na política não é um fenômeno novo e vem sendo documentada há tempos. No entanto, nos últimos anos, com a profusão de pesquisas nesse campo e o surgimento de movimentos extremistas, a psicopatia na política ganhou maior visibilidade. Isso se deve, em parte, ao aumento da competitividade do cenário político, bem como à crescente complexidade das questões contemporâneas. Nesses contextos, os psicopatas geralmente buscam posições de poder para obter controle sobre os outros e manipulá-los em busca de beneficícios próprios.

 

A psicopatia

A “psicopatia” é o termo utilizado no senso comum para referenciar características que remetem ao espectro dos transtornos antissociais, caracterizada principalmente por:

(1) falta de regulação do processo decisório por crenças e valores considerados socialmente positivos;

(2) falta de empatia;

(3) comportamentos manipulativos e egocêntricos; e

(4) habilidades sociais sedutoras.

Ao tocarmos neste assunto, é comum que nos lembremos de personagens de filmes, como Hannibal Lecter. Entretanto, essa não é a “versão” mais encontrada desse tipo de pessoa. É muito mais frequente alguém parecido com o personagem principal da série House of Cards, um líder, um exemplo da psicopatia na política.

Esse tipo de pessoa para nós é tão sedutora, pois se apresenta como um psicopata funcional [termo usado pela ciência para designar um estado subclínico da psicopatia] e possui uma mistura de características consideradas “psicopatas” e “não-psicopatas”. Sobre isso, veja os artigos: Existe o bom psicopata? e Aptos para serem antiéticos: a psicopatia funcional



É importante ter cuidado, pois o líder psicopata pode ser facilmente confundido com um líder nato ou talentoso. Os psicopatas são charmosos, carismáticos e podem efetivamente influenciar e manipular os outros para atingirem seus próprios objetivos. Podem também ocultar sua falta de lealdade e responsabilidade sem muito esforço, tornando-se líderes destemidos e bem-sucedidos, capazes de representar suas empresas, organizações ou países. Por gostarem de poder e controle, desempenham papéis de liderança. Estes indivíduos são difíceis de serem reconhecidos, pois possuem um perfil diferenciado dos psicopatas criminosos.

Mesmo os psicopatas clássicos e assassinos, desenvolvem o que o Dr. Hervey Cleckley chamou de “Máscara de Sanidade” [Mask of Sanity], que é o título de um livro por ele escrtito em 1941.

É o caso de Denis Raider, por exemplo, que  só foi descoberto porque o seu narcisismo não permitiu que ele se calasse quando um reporter investigativo lançou um livro sobre ele. Passou então a enviar mensagens à polícia, utilizando o computador de uma igreja da qual era diácono….. Uma pessoa casada e que levava uma vida normal. No entanto, esse era o famoso BTK [Bind, Torture and Kill]

 

Polêmicas da psicopatia

O termo psicopatia não aparece no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) e nem na Classificação Internacional de Doenças (CID-10). É uma designação utilizada nas pesquisas científicas e no senso comum. Apesar de ser um tema polêmico (Albin, 2022; Jurjako; Malatesti, 2022), refere-se a um espectro de transtornos mentais genericamente denominados de antissociais ou dissociais.

No DSM-V (2013), o TPAS é classificado como um transtorno da personalidade. Conceito esse que provavelmente será questionado pelo avanço científico no campo da Psicologia. É uma concepção antiga e cientificamente formulada no contexto de teorias surgidas no Século XIX e desenvolvidas no decorrer do século seguinte. Personalidade é, em síntese, o resultado da interação entre certos processos e funções psicológicas que evidenciam as características apresentada por uma pessoa em sua forma de pensar, de sentir e de se comportar (Costa et al., 2019; Crocq, 2022).

Tal visão representa uma concepção fragmentada dos processos psicológicos humanos, aspecto que vem sendo confrontado pelas mais recentes Teorias de Self. Segundo essa nova ótica, o self pode ser compreendido como uma síntese integral e ampliada dos processos e funções psicológicas, incluindo novas dimensões, como por exemplo, as interações sociais reais e imaginadas como elementos constituintes da pessoa (Konopka; Hermans; Gonçalves, 2019).

Modernamente, é possível dizer que as características que balizam o diagnóstico do Transtorno de Personalidade Antissocial estão intimamente relacionadas a problemas no papel regulador que as emoções realizam no processo decisório e no sistema motivacional humano (Baliousis et al., 2019; Marsden et al., 2019). Então, futuramente, veremos diversos questionamentos à classificação atual, levando o debate ao território das psicopatologias das emoções.

A psicopatia funcional representa, portanto, um desafio para a ciência e para os eleitores. Ademais, as nossas avaliações pessoais, não raras vezes baseadas apenas nos resultados obtidos, mostram-se pouco sensíveis para diferenciar entre: (1) falta de empatia e coragem; (2) egoísmo e zelo; e (3) manipulação e liderança.

 

Características do psicopata

Do ponto de vista do afeto e das relações interpessoais, esses indivíduos apresentam:

Insensibilidade; falta de empatia, remorso ou culpa; emoções superficiais; não se responsabilizam por seus atos; possuem um charme superficial; uma sensação de grandiosidade em relação a si; mentira patológica; destreza e comportamento manipulador.

Já no aspecto comportamental e quanto ao estilo de vida, pode haver:

Uma impulsividade marcante, relacionada à necessidade de estímulos para evitar o tédio; estilo de vida parasítico; falta de objetivos realistas a longo prazo; irresponsabilidade; dificuldades no controle do comportamento; problemas comportamentais já na infância ou adolescência; comportamento antissocial em adultos.

Outras características podem estar presentes, como comportamento sexual promíscuo e relações de curta duração (critérios do PCL-R). Para mais detalhes veja os nossos artigos:

Características de um psicopata3 estratégias para aperfeiçoar o diagnóstico da psicopatia

 

psicopatia-na-politicaO curioso caso do Deputado Norte-americano George Santos

Em reportagem televisionada no dia 22 de janeiro de 2023, intitulada “Defensor de pautas anti-LGBTQIA+, deputado republicano, filho de brasileiros, já foi drag queen no Brasil”, o Programa Fantástico informa o seguinte sobre o Deputado George Santos:

  • A imprensa norte-americana descobriu que ele havia mentido sobre itens do seu currículo;
  • O deputado é investigado por estelionato no Brasil;
  • Testemunhas afirmam que ela era, pelo menos, simpatizante LGBTQIA+;
  • Que vestiu roupas femininas em eventos públicos e usava o nome de Kiara Ravache;
  • É apoiador de leis anti-LGBTQIA+
  • Testemunhas afirmam ter sido financeiramente lesadas por ele;
  • A reportagem afirma que ele era conhecido, em Niteroi/RJ,  pelas mentiras e por passar cheque sem fundo, o que é confirmado por diversas vítimas;
  • Disse aos amigos que trabalhou na TV Globo;
  • Inventou diplomas e empregos em instituições de prestígio;
  • É suspeito de diversas apropriações de recursos angariados em “vaquinhas” na Internet, até mesmo a que envolveu o levantamento de recursos para o funeral de sua mãe.
  • A reportagem afirma: “em meio a tantas mentiras, George Santos acabou virando piada no principal programa de humor nos Estados Unidos”.
  • Uma das suas vítimas no Brasil desabafa: ” Para mim, é incrível como ele conseguiu galgar esse cargo… como ele passou, parece, a vida inteira de alguma maneira enganando as outras pessoas.

O parlamentar está sob investigação das autoridades norte-americanas e algumas informações saltam aos olhos:

  • Diversas mentiras já foram identificadas em suas afirmações e nas credenciais acadêmicas e laborais que apresentou para os eleitores. Isso pode indicar um padrão no seu comportamento;
  • Muitas testemunhas afirmam ter sido por ele lesadas financeiramente;
  • O Ministério Público do Rio de Janeiro solicitou a reabertura de processo judicial, já instaurado, contra ele;
  • Parece haver inconsistência e contradição entre sua ações e a pauta anti-LGBTQIA+.

Então, diante de um caso tão icônico, resta a pergunta se uma pauta comportamental tão ricamente ilustrada por ações aparentemente desprovidas de compaixão, de empatia e repletas de mentiras, não seria essa uma pessoa que se aproveita da boa fé de outrem e da utilização de estratégias de manipulação para galgar cargos políticos?

Como se explicam os contraditórios comportamentos e posições políticas anti-LGBTQIA+ por parte de alguém que, assim mostram as evidências, pertence a essa mesma comunidade?

 

Líderes psicopatas

A literatura científica (e.g. Genau-Hagebölling & Blickle, 2022; Boddy et al., 2021) tem nos apresentado algumas ideias sobre a liderança psicopática. Entretanto, ainda não há estudos suficientes para embasarem uma análise extensiva das origens, caacterísticas e dos seus efeitos.

Apesar dessa exiguidade, a seguir reunimos alguns elementos que podem nos ser úteis para a reflexão acerca da psicopatia na política:

1. Os psicopatas geralmente têm uma visão altamente individualista da liderança e veem seus papéis de autoridade como uma oportunidade única de se expressar.

2. Eles geralmente têm uma forte intuição e são propensos a tomar decisões repentinas e inesperadas que às vezes podem surpreender e até chocar as pessoas. Entretanto, essa mesma característica os faz parecerem corajosos para os menos atentos.

3. Eles podem ser muito carismáticos e capazes de atrair seguidores e simpatizantes, mas também podem ser altamente inacessíveis e difíceis de trabalhar.

4. Eles costumam estar muito focados em seus próprios objetivos e podem estar menos preocupados com o sucesso ou fracasso geral da organização, equipe ou nação que estão liderando.

 

psicopatia-na-politica-1Qual é o impacto da psicopatia na política?

Os impactos da psicopatia na política podem ser muito prejudiciais. Decisões antiéticas e corruptas geram, não raras vezes, sérias consequências coletivas (Pires, 2022). Os psicopatas geralmente têm dificuldade em entender as necessidades e sentimentos dos outros e, portanto, podem ter dificuldade em projetarem as consequências de suas decisões. Isso pode levar à falta de empatia e ao desrespeito pelo bem-estar dos outros.

Além disso, a psicopatia na política pode criar uma atmosfera hostil e divisiva [qualquer semelhança com o que ocorre em nosso país é mera coincidência], dificultando o estabelecimento de relacionamentos significativos com outros políticos e a população em geral.

Para enfrentar a psicopatia na política, é importante conhecer suas características e comportamentos. Também é importante reconhecer que nem todos os indivíduos que possuem traços psicopáticos, necessariamente, se envolverão na política ou apresentarão elevado risco. No entanto, quando se trata de nossos representantes políticos, é essencial estarmos cientes e avaliarmos o potencial de manipulação e corrupção dessas pessoas.

 

Psicopatia na política é real?

Estudos recentes (Genau-Hagebölling & Blickle, 2022; Palmen et al., 2021; Lilienfeld et al., 2012) revelam como as características comportamentais e emocionais dos psicopatas podem ser benéficas ou prejudiciais para uma liderança política. Existe um concenso que certos traços psicopáticos podem estar associados ao domínio, que pode ser um atributo-chave para uma liderança política bem-sucedida.

No entanto, há a indicação de que muito resta a ser aprendido sobre a relação entre as características psicopáticas e o sucesso político, e que mais pesquisas são necessárias para determinar até que ponto esses traços são benéficos ou prejudiciais para o sucesso da psicopatia na política.

Esses estudos tornam possível a conclusão de que algumas dessas características podem ser positivas em posições de liderança, como a falta de nervosismo e um domínio nos relacionamentos interpessoais. Entretanto, um líder com um perfil psicopata, com características clássicas de egoísmo e impulsividade, não seria interessante para um cargo de tanta importância e representatividade.

 

Conclusão

A presença de pessoas com indicadores de psicopatia funcional é uma realidade na política. Esse fenômeno não é somente confirmado por diversos estudos científicos (e.g. Leeper Piquero et al., 2021; Palmer et al., 2021; Pires, 2021; Lilienfeld, 2012), mas também pela experiência pessoal de cada um de nós ao longo da nossa vida profissional. Nesse contexto, uma grande parte dos indicadores relacionados à psicopatia funcional parece estar associada a alterações na função reguladora que as emoções exercem, por meio das crenças e valores, sobre o sistema decisório humano.

Entre outros processos, ressalta-se a importância da empatia para que comportamentos prossociais e altruístas ocorram. Ao apresentarem deficiência nesse circuito regulatório, os psicopatas funcionais não experimentam o poder emocional autônomo e aversivo de sua própria consciência ao violar uma crença ou valor.

Quando o comportamento é canalizado para a ganância, o individualismo e o acúmulo de ativos, o perfil psicopático pode transparecer como assertivo, eficiente e resolutivo. Podem, ainda, ser considerados desejáveis para lidarem com as difíceis decisões políticas, no que são incumbidos de alcançar objetivos ambiciosos e de impor duras condições sem que seu sistema emocional seja severamente atingido.

Essas pessoas são adequadas às práticas sociais dos ambientes individualistas e promotores da ambição. A psicopatia na política pode servir a esse propósito. As suas sutis e perversamente ambíguas estratégias tornam a psicopatia funcional de difícil avaliação. Nesse contexto, os eleitores, baseados nas promessas de campanha e na capacidade de certos políticos realizar a manipulação, mostram-se incapazes para identificar essas estratégias e para diferenciar entre a forma como se apresentam e o que realmente são.

Em meio à manipulação que promovem no ambiente político, é fácil que se confunda: (1) falta de empatia com coragem; (2) egoísmo com zelo; e (3) manipulação com liderança. Tomando isso em conta, e considerando as avançadas habilidades dessas pessoas para dissimularem as suas perversas estratégias, é extremamente difícil a identificação desses indivíduos, o que nos indica que eles estão à nossa volta e que, mantidos os valores civilizatórios atuais, a psicopatia na política veio para ficar.

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Referências

Albin, R. (2022). Organizational and Moral Portraits of Responsibility. Journal of Human Values, 09716858221095877.

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Baliousis, M., Duggan, C., McCarthy, L., Huband, N., & Völlm, B. (2019). Executive function, attention, and memory deficits in antisocial personality disorder and psychopathy. Psychiatry Research, 278, 151-161.

Boddy, C. R., Taplin, R., Sheehy, B., & Murphy, B. (2021). Finding psychopaths in white-collar jobs: a review of the evidence and why it matters. Society and Business Review.

Costa Jr, P. T., McCrae, R. R., & Löckenhoff, C. E. (2019). Personality across the life span. Annual review of psychology, 70, 423-448.

Crocq, M. A. (2022). Milestones in the history of personality disorders. Dialogues in clinical neuroscience, 15(2), 147-153.

Genau-Hagebölling, H. A., & Blickle, G. (2022). Fearless Dominance: The Upside of Psychopathy?. Overcoming Bad Leadership in Organizations, 423.

Jurjako, M., Malatesti, L. (2022). The Value-Ladenness of Psychopathy. In: Malatesti, L., McMillan, J., Šustar, P. (eds), Psychopathy. History, Philosophy and Theory of the Life Sciences, vol 27. Cham: Springer.

Konopka, A., Hermans, H. J., & Gonçalves, M. M. (2019). The dialogical self as a landscape of mind populated by a society of I-positions. In A. Konopka, H. Hermans, & M. Gonçalves (Eds.), Handbook of dialogical self theory and psychotherapy: Bridging psychotherapeutic and cultural traditions, 9-23.

Leeper Piquero, N., Piquero, A. R., Narvey, C., Boutwell, B., & Farrington, D. P. (2021). Are there psychopaths in white-collar jobs?. Deviant Behavior, 42(8), 979-992.

Lilienfeld, S. O., Waldman, I. D., Landfield, K., Watts, A. L., Rubenzer, S., & Faschingbauer, T. R. (2012). Fearless dominance and the U.S. presidency: Implications of psychopathic personality traits for successful and unsuccessful political leadership. Journal of Personality and Social Psychology, 103(3), 489–505.

Marsden, J., Glazebrook, C., Tully, R., & Völlm, B. (2019). Do adult males with antisocial personality disorder (with and without co-morbid psychopathy) have deficits in emotion processing and empathy? A systematic review. Aggression and violent behavior, 48, 197-217.

Palmen, D. G., Kolthoff, E. W., & Derksen, J. J. (2021). The need for domination in psychopathic leadership: A clarification for the estimated high prevalence of psychopathic leaders. Aggression and violent behavior61, 101650.

Pires, S. F. S. (2022). Aptos para serem antiéticos: a psicopatia funcional nas organizações. Revista Contemporânea, 2(4), 106-121.

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