Existe o bom psicopata?

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Existe essa personagem: o bom psicopata?

O conceito de bondade e maldade depende do ponto de vista de quem analisa a situação. Na literatura científica há o que se chama de psicopata funcional [1][2]. Por que utilizar a palavra funcional? Para expressar a ideia que aquela “personalidade” funciona em determinado contexto, que tem uma função.

Alguns estudos científicos denominam essa condição de “psicopatia subclínica” [3][4]. Eu nunca gostei muito dessa maneira de nos referirmos a qualquer patologia, mas é uma expressão muito usada na medicina e na psicologia também observamos o seu emprego. Não gosto dela, pois  nos traz uma ideia de sintomas que não podem ser “detectados”….

♦ DICA

O psicopata funcional é alguém cuja regulação do comportamento pelas emoções não ocorre da mesma forma que nós. Então, a culpa, o medo e a tristeza, por exemplo, não têm o mesmo efeito em suas decisões.

Todos os transtornos mentais possuem graus, então “não ter sintomas” não me parece um critério ótimo para diferenciar os diversos graus de uma psicopatologia. Até mesmo os critérios para considerar uma determinada característica como patológica são flexíveis. Daí a necessidade de reflexão e de cuidado com esses termos.

Personalidade é um conceito que vem sendo questionado pelo avanço científico no campo da Psicologia. Foi um termo cunhado no contexto de teorias surgidas no Sec. XIX e desenvolvidas  no decorrer do século seguinte.

Denota uma visão fragmentada dos processos psicológicos humanos e vêm sendo substituídas pelas Teorias de Self. Para mais detalhes, ver, por exemplo, a Teoria do Self Dialógico de Hubert Hermans [5].

♦ FATO

A caracterização de pessoas como psicopatas funcionais nos parece menos pior, pois abre a possibilidade de realizarmos uma análise sobre o ponto de vista de como essa pessoa “encaixa” na sociedade atual nas tarefas que todos nós temos que cumprir como membros ativos de grupos humanos.

Para relembrar as características dos psicopatas, trarei uma lista que detalhei no artigo: Características de um psicopata:

 

Como se parece um psicopata?

Para recordar, vamos listar abaixo as características da psicopatia explicadas em nosso artigo: Características de um psicopata

Para efeitos didáticos e para um melhor entendimento dividimos em quatro grupos de acordo com as explicações do Dr. Robert Hare:

  • Como os psicopatas se apresentam para os outros (dimensão interpessoal);
  • Comportamento afetivo dos psicopatas, inclui o que sentem ou deixam de sentir (dimensão afetiva);
  • Comportamento social – Como vivem em sociedade (dimensão do estilo de vida);
  • Comportamento antissocial dos psicopatas (dimensão antissocial).

 

A lista de características da psicopatia é a seguinte:

ibrale-bom-psicopataComo se apresentam para os outros?

  •  Demonstra excesso de autoconfiança e “charme” superficial. (Os psicopatas exageram na confiança)
  •  Apresenta fala grandiosa acerca de si mesmo. (Psicopatas se enxergam enormes, são exibicionistas verbais)
  •  Conta mentiras frequentemente. (Os psicopatas não se importam com a verdade.)

 

Comportamento afetivo dos psicopatas

  •  Demonstra irresponsabilidade e “minimiza o dano” quando aparece um problema. (Os psicopatas não gostam de fazer a coisa certa. tomam os atalhos e quando algo de ruim ocorre eles minimizam o problema)
  •  Percebe-se falta de remorso ou culpa no seu comportamento. (Os psicopatas não se sentem mal quando fazem coisas ruins.)
  •  Sente necessidade excessiva de realizar atividades intensas ou possui tendência ao tédio, caso as atividades não ocorram. (Os psicopatas não suportam períodos de marasmo.)

 

ibrale-bom-psicopataComportamento social

  •  É excessivamente impulsivo. (Os psicopatas são muito, muito impulsivos.)
  •  Engana ou manipula os outros com frequência. (Os psicopatas normalmente acreditam que podem manipular qualquer pessoa ao seu redor)
  •  Mostra dificuldade em tornar-se emocionalmente íntimo. (Os psicopatas têm problemas para demonstrar emoções genuínas, o que acaba sendo evidenciado em relacionamentos mais longos e íntimos)
  •  É pego em situações nas quais mostra insensibilidade ou falta de empatia. (Os psicopatas simplesmente não se importam com as emoções das outras pessoas.)
  •  Percebe-se que pode “parasitar” outras pessoas com relativa facilidade. (Os psicopatas preferem não trabalhar para viver. Eles acham que é mais fácil tirar coisas de outras pessoas ou viver às custas delas.)
  •  Possui histórico de comportamento sexual promíscuo. (Psicopatas gostam de “circular” entre as pessoas)
  •  Demonstra dificuldade de manter relacionamentos de longo prazo. (Os psicopatas têm dificuldades em se comprometerem no longo prazo, e quando o fazem, o relacionamento é abusivo)
  •  Possui a tendência de ter metas apenas no curto prazo. (Os psicopatas preferem esquemas malucos [do tipo Ponzi, por exemplo] em vez de objetivos de vida ou carreira.)
  •  Demonstra dificuldade em assumir a responsabilidade por suas próprias ações. (Para um psicopata, a culpa é sempre de outra pessoa)

 

Comportamento antissocial

  •  Possui histórico de problemas comportamentais precoces em relação à crueldade. (Quando crianças, os psicopatas costumam ter uma história de crueldade com os outros, começando com os animais)
  •  Possui dificuldade em controlar comportamentos socialmente inadequados.  (Os psicopatas têm dificuldade em cumprir as normas sociais)
  •  Pode possui histórico de delinquência juvenil. (Os psicopatas começam ainda jovens)
  •  Apresenta tendência a “adaptar” as regras a seu favor, de forma bem versátil. (Os psicopatas diferem dos criminosos normais porque eles realmente não se importam com o tipo de lei que violam – eles violam qualquer uma delas, nas circunstâncias que mais lhes favoreçam)

 

Em que contextos uma pessoa com as características acima pode ser “boa”?

A pregunta certa seria: Boa para quem?

Se a função a ser desempenhada requer afastamento emocional, empatia controlada, articulação social e habilidades para manipular, essa pessoa não será boa, será considerada excelente e até buscada para desempenhar essas funções.

Recentemente, escrevi um artigo intitulado: Psicopatas Corporativos; Os feitores modernos

Empatia é a capacidade de um ser humano colocar-se no lugar de outro, experimentar as emoções e refletir sob o ponto de vista de outra pessoa [6].

É um dos simuladores que temos em nosso psiquismo, é uma aproximação sobre o que o outro ser humano está passando.

Nesse texto, trago uma reflexão sobre como esse perfil é procurado em uma sociedade que prioriza os valores do individualismo e do consumo de bens materiais em detrimento da cooperação e do equilíbrio social. Essas pessoas, nesses contextos, funcionam como feitores modernos e a sua falta de empatia os ajuda a não se sentirem culpados ou estressados pelas dificuldades que possam fazer outras pessoas passarem.

Sob a lógica da mera acumulação de riquezas, os psicopatas funcionais são excelentes colaboradores e preenchem os cargos intermediários em uma estrutura organizada sob essa lógica.

Nos parece óbvio que, para lidar com esse tipo de pessoa, é necessário que o topo dessa pirâmide organizacional seja mobiliada por pessoas de perfil equivalente, quiçá bem além do “funcional“, lembrando que sempre teremos diversos graus desse tipo de psicopatologia.

Então não há outra conclusão a chegar senão que, numa lógica de um processo de seleção natural na perversidade, chegam ao final do processo os mais perversos…. Para uma sociedade que canaliza tais valores, esses indivíduos serão considerados bons….

Além disso, se o serviço precisa de um espião, de um assassino de aluguel ou de um soldado invencível, esse perfil cairá como uma luva.

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Referências

[1] Forster, N., & Lund, D. W. (2018). Identifying and dealing with functional psychopathic behavior in higher education. Global Business and Organizational Excellence, 38(1), 22-31.

[2] Smith, C. S. (2021). You don’t have to be a sociopath: Is evil a matter of personality or a condition of society?. TLS. Times Literary Supplement, (6153), 25-27.

[3] Unrau, A. M., & Morry, M. M. (2019). The subclinical psychopath in love: mediating effects of attachment styles. Journal of Social and Personal Relationships, 36(2), 421-449.

[4] Du, Y. Y. L., & Templer, K. J. (2021). The Happy Subclinical Psychopath: The Protective Role of Boldness in Successful Psychopathy. Journal of Happiness Studies, 1-26.

[5] Konopka, A., Hermans, H. J., & Gonçalves, M. M. (2019). The dialogical self as a landscape of mind populated by a society of I-positions. Handbook of dialogical self theory and psychotherapy: Bridging psychotherapeutic and cultural traditions, 9-23.

[6] Pires, Sergio Fernandes Senna e Fantoni, Virginia. (2021). Empatia e maturidade emocional. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 24 Feb 2023, de https://ibralc.com.br/empatia-e-maturidade-emocional/.

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