Os bastidores da fofoca | O que está por trás do disse me disse

Divulgue e opinie

A fofoca e os seus devastadores poderes. Trataremos de fazer uma reflexão sobre a fofoca, suas funcionalidades e os perigos que envolvem o seu florescimento:

  • A funcionalidade da fofoca
  • Os fofoqueiros, influência e a manipulação
  • Uma análise técnica sobre a fofoca 

Tratarei de fazer uma reflexão sobre como a fofoca pode ser muito destrutiva tanto para todos os que dela participam.

 

A funcionalidade da fofoca

Sob o ponto vista funcional, a fofoca se presta a vários propósitos. Alguns deles são até bem sedutores e alguns podem entender que os “meios justificam os fins” quando o assunto é manter-se informado e adiante dos possíveis cenários adversos.

Os fins jamais justificarão os meios, na medida em que os processos utilizados para se atingir um determinado objetivo sempre interessam para que façamos uma avaliação sobre a licitude, sobre a legalidade ou sobre a moralidade de como alguma tarefa, objetivo ou vantagem foram concluídos ou atingidos.

Nesse contexto de obter alguma vantagem na “batalha da informação”, pessoas irão se apresentar para trazer e levar informação nos diversos ambientes: na família, no trabalho, na escola etc. Então, será sempre um desafio resistir a tentação da curiosidade ou até mesmo do desejo de conhecer, de forma indevida, versões de narrativas  que têm alguma relação conosco.

As questões que devemos levantar são as seguintes:

  • Quais seriam as razões que motivariam a alguém nos prestar tamanho serviço, nos trazendo informação supostamente valiosa?
  • Considerando que as emoções servem como motivadores do comportamento e aceleradores do processo decisório, quais as emoções que são eliciadas com as fofocas?
  • Como as fofocas influenciam nossa concepção sobre os outros?
  • Em que medida a fofoca abala a confiança entre as pessoas?

Essa é uma lista interessante e deve servir de guia para a análise quando qualquer um de nós se deparar com uma situação de fofoca. Principalmente se uma particularidade do ato de fofocar que é criar uma cumplicidade entre os que participam das conversas.

Não seria essa uma estratégia sutil e inteligente para influenciar a pessoa que recebe a informação?

A cumplicidade que se cria entre as pessoas pelo ato de fofocar pode criar a falsa impressão que se está em um contexto seguro e acolhedor, quando a realidade é exatamente a contrária: é um ambiente de desconfiança que se está semeando. Como os temas da fofoca, normalmente não vêm à tona de maneira aberta, as providências e decisões também são tomadas à revelia de uma processo narrativo mais amplo, servindo perfeitamente ao propósito da manipulação.

Além disso, os atores sabem como as informações foram obtidas. Nesse contexto, ninguém quer revelar que é um fofoqueiro, então todo esse processo tem uma tendência a ficar no silêncio, perpetuando essa desprezível forma de se obter informação.

Retomando as nossas perguntas, o mais importante é analisarmos quais seriam as possíveis intenções do fofoqueiro em trazer informação gratuita e importante ao nosso conhecimento….

Em fevereiro de 2022 completarei 40 anos de trabalho no serviço público. Nesse tempo, passei em várias funções de chefia e tive diversas vezes diante da tentação de receber informação dessa forma espúria. Como não sou curioso, sempre hostilizei as primeiras tentativas de aproximação por parte de alguns desavisados.

Certa vez uma pessoa entrou em minha sala, fechou a porta, começando a falar de um terceiro sobre um assunto que não lhe dizia respeito. Pedi que parasse e pedi à secretária que chamasse a pessoa que estava sendo mencionada e pedi para o fofoqueiro repetir tudo na frente dela….. Nunca mais ninguém me procurou para falar de terceiros na ausência deles…..

A porta fechada é um péssimo indicador sobre uma conversa no ambiente de trabalho. Por vezes é uma medida necessária para tratar de assuntos sensíveis ou pessoais, mas na ausência de pelos um dos mencionados não é nada bom…. 

Essa inflexibilidade em relação a esse tema me custou alguns desafetos ao longo dessa caminhada profissional, mas a consciência tranquila de não ter dado espaço algum a esse tipo de abordagem é gratificação suficiente para compensar. Depois que se espalha a fama de que você não dá margem para isso, acabam os seus problemas em receber fofoqueiros. Você passa somente a ser a vítima dela, o que já ia ocorrer de qualquer forma….

 

Os fofoqueiros, influência e manipulação

Serei sucinto. Quem abre suas portas para a fofoca também abre as suas decisões para a manipulação. Como tratei anteriormente, a fofoca cria uma falsa percepção de que há uma cumplicidade entre os que dela participam.

Isso pode ser utilizado, em um contexto persuasivo, de várias formas. Uma delas é a manipulação para obter informação. Nesse caso, um chefe pede a informação e alguém se torna o informante. Em outro cenário, o manipulador oferece as informações ao seu superior.

O fofoqueiro assume a posição de “inside trader” – um detentor privilegiado de informação.

De qualquer forma, uma vez capturado por esse sistema, qualquer revelação acerca do que está acontecendo deixará a confiança de toda equipe abalada.

Então para escapar da revelação de tudo, só resta uma saída, ocultar mais ainda, o que perpetua os efeitos deletérios da fofoca no ambiente de trabalho ou na família.

Mas Sergio, o que você falou até agora é óbvio….

Pois é, mas se é tão óbvio assim, por que tantas pessoas seguem alimentando isso?

 

Uma análise técnica sobre a fofoca

Vamos iniciar por uma possível definição intuitiva. Pergunte-se “o que é fofoca”?  Uma resposta pode ser:

Fofoca é falar sobre alguém que não está presente para outra pessoa que não é nem parte do problema, nem da solução.

Você vai encontrar esse tipo de definição popular em postagens da internet. Vamos utiliza-la para começar a análise.

Fofoca é: falar sobre alguém que não está presente

Essa é uma parte importante da definição. Algumas pessoas esquecerão de inclui-la. é fundamental que a pessoa objeto da conversa não esteja presente, pois esse fato tem alguns desdobramentos sob o ponto de vista psicológico.

https://ibrale.com.br/wp-content/uploads/2021/12/ibrale-fofoca-devastadores-poderes-1-1-1.jpgO fato de falar de uma terceira pessoa estimula a criação de uma cumplicidade entre os confidentes. Me parece evidente que tratar de aspectos sobre uma terceira pessoa possa parecer inofensiva, principalmente se o assunto em si for verdade. Sim, a fofoca nem sempre é mentira é falar sobre outrem na sua ausência, seja mentira ou não….

A ausência da pessoa objeto da fofoca proporciona oportunidade para que a desconfiança seja semeada e você não deveria participar de conversas que possam estimular o enfraquecimento das suas próprias convicções e da integridade de outros.

Fofoca é: falar para outra pessoa que não é nem parte do problema, nem da solução.

Essa parte da definição que adotamos nos traz uma visão pragmática da fofoca em relação ao interlocutor. É por demais genérico o critério de alguém ser parte da solução ou do problema, pois uma pessoa mal intencionada sempre pode alguma conexão para superar esse critério. Por exemplo, se o interlocutor é um colaborador no ambiente de trabalho, isso já pode ser suficiente para justificar que ele é parte ou do problema ou da solução. Afinal, ele participa do ambiente onde o assunto da fofoca se aplica.

Então, entendo que há de ser um pouco mais radical nessa segunda parte da definição. Uma forma de melhorar é alterar para: 

Fofoca é falar sobre alguém que não está presente para outra pessoa, sem a intenção de revelar a conversa ao ausente.

Em minha opinião, mais importante do que da qualificação do ouvinte como alguém que é parte do problema ou da solução, é a intenção de revelar o conteúdo da conversa. Esse detalhe resolve algumas questões, pois é certo que, por vezes, há necessidade em adiantar certos assuntos na ausência de alguns dos envolvidos. É justamente a intenção de não ocultar o que pode transformar uma fofoca em uma conversa normal.

♦ DICA

Quando o ouvinte é parte da solução ou do problema pode transformar em fofoca muitos outros tipos de conversa produtivos, como é, por exemplo, a supervisão profissional em psicologia quando se fala sobre o que ocorreu em uma sessão.  Isso não é fofoca!

 

O caso Klara Castanho

Klara Castanho foi surpreendida com um linchamento digital. Internautas, ao descobrirem que ela havia dado à luz e que havia providenciado a adoção para essa criança, começaram a levantar hipóteses e a ofender a atriz. Tal foi a comoção dessa mulher, que resolveu narrar e expor a sua história, que essa criança havia sido fruto de um estupro e que não tinha condições de exercer a maternidade.

klara-castanho-hatersEla conta que, apesar de não certeza, entende que profissionais de saúde, do hospital em que realizou o parto, espalharam a notícia. Rapidamente, colunistas de celebridades [fofoqueiros] passaram a procurá-la para ouvir “o seu lado” da história. E, obviamente, saíram espalhando a notícia pelas Redes. Ela afirma que foi mais de um.

Lamentável ver que essa pessoa teve sua privacidade invadida sem nenhuma empatia. Objetivando apenas expor a notoriedade de uma história que, para o público, vai durar uma semana ou duas, no máximo. Mas que para as pessoas diretamente envolvidas, principalmente para a atriz e, futuramente, para a criança, perdurarão para toda vida…..

Essa categoria de fenômeno já ocorria antes, como foi o caso do ator Mario Gomes, em 1977, e que, até hoje, tem que contar e recontar o caso de sua suposta entrada num hospital do Rio de Janeiro para a retirada de uma cenoura que supostamente houvera sido enfiada em seu corpo. Décadas depois dessa mentira, ele ainda precisa dar explicações e reviver o evento que tanto prejudicou a sua carreira.

Em um caso de flagrante invasão de privacidade, Klara Castanho resume a sua dor:Fui estuprada“.

Depois do dano realizado, da matéria veiculada e, diante da reação negativa de alguns internautas, um dos “jornalistas” veio a público pedir desculpas e mostrar-se arrependido. Colhidos os fugazes louros de sua falta de ética – os likes e compartilhamentos nas Redes, realizados por pessoas tão doentes quanto ele, qualquer manifestação é apenas nominal. Esse tipo de arrependimento não adianta e não é improvável que seja apenas para limpar a sua barra diante da reação negativa dos seus leitores. Em minha compreensão, é o mesmo que atropelar uma pessoa depois de ingerir bebida alcoolica e pedir perdão pelo ocorrido.

Provavelmente, Klara Castanho será revitimizada muitas vezes em sua vida, pois existe outro tipo de jornalista que vai pedir para ela contar como foi ter a sua vida exposta, condenando e criticando a exposição. É uma forma dissimulada de realizar o mesmo ato de expor a pessoa. Os ganhos são os mesmos, a audiência.

Muito resta para tratarmos sobre a fofoca. Se você tem alguma questão, fale nos comentários que continuaremos conversando.

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