Emoções – 6 fatos incontestáveis

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Há fatos sobre emoções? Existem muitas teorias e ideias sobre as nossas emoções. Muito tem se dito, mas pouco resta de consenso quando se trata dos fenômenos emocionais humanos. Até mesmo especialistas experientes ficam confusos diante da vastidão de textos, estudos e literatura acerca das emoções. [1]

Nessa postagem, trago 6 fatos que parecem ser incontestáveis sobre o tema e são transversais a uma grande parte das teorias que temos sobre emoções.

1 – Os elementos básicos das emoções: [2]

A minha intenção é apenas apresentar três elementos que são comuns às principais teorias das emoções. O grande problema dessas teorias, e para o qual não vislumbro uma superação no curto prazo, é o intrínseco dualismo CORPO-MENTE.

Desde Descartes [3] com seu modelo aferente/eferente (percepção/alma) das emoções, passando por James-Lange [4] , Canon [5] e mesmo as mais modernas como as socioculturais-construtivistas [6], todas padecem desse mesmo problema. Não existe uma teoria sobre emoções que unifique o corpo e a mente.

Os mesmos determinismos: (1) mecanicista, (2) biológico e (3) cultural, inerentes a cada “modalidade” das teorias de emoções, mantém a dualidade corpo-mente quando não apresentam uma explicação teórica unificada que supere os modelos que criticam.

Entretanto, conhecer os elementos básicos de qualquer teoria de emoções nos ajuda a conhecer melhor o assunto e a nos prepararmos para entendê-lo na prática.

 

2 – Emocionar-se é sentir no corpo

ibrale-medoPara que alguém se emocione é preciso que nosso sistema nervoso seja ativado. Em uma fração de segundos, muitas substâncias químicas são liberadas em nossa corrente sanguínea provocando os efeitos fisiológicos que todos nós sentimos. Então, sob esse ponto de vista, as nossas emoções são fisiologicamente orientadas. [7]

Sem essas sensações fisiológicas, não há como experimentar uma emoção. A importância dessas sensações fisiológicas é atribuir uma “valência” positiva ou negativa à emoção. Por exemplo, as reações fisiológicas relacionadas ao medo ou à tristeza são bastante desagradáveis, enquanto as relativas à alegria são positivas. [8]

Como veremos adiante, essas valências predispõem [sem determinar] para um comportamento compatível. Por exemplo uma valência negativa predispõe a comportar-se de forma a eliminar o mal-estar, enquanto a valência positiva orienta para comportamentos que mantenham a sensação de bem-estar.

Essa é a descrição de um mecanismo básico do comportamento não só humano, mas de todos os animais superiores. Então não confunda a explicação de uma mecanismo básico com o entendimento de todo o complexo processo decisório humano que enquadra e justifica os nossos comportamentos intencionais.

 

3 – Emocionar-se é experimentar subjetivamente o que está ocorrendo

Além das sensações fisiológicas associadas às emoções, existe uma experiência subjetiva que está relacionada a essas sensações, mas também aos que ocorre no ambiente e em nossos pensamentos. É, portanto, uma formulação mais complexa que tem uma dimensão semiótica.

Emocionar-se é, portanto, abstrair, “pensar” sobre o que está ocorrendo. Quando alguém faz uma narrativa sobre as emoções, está expressando por meio da linguagem, utilizando signos linguísticos, para “representar” uma aproximação linguística das sensações experimentadas e das relações entre isso e os seus pensamentos e os fatos que possam estar relacionados.

Por exemplo: ao contar sobre uma experiência de medo, alguém pode destacar a “dor na barriga” e a “palpitação” que sentiu quando saiu de sua casa e  encontrou uma cobra à sua porta. Além disso, pode acrescentar que sempre teve medo de cobra por causa dos filmes de terror que assistia e admitir que mesmo diante do conhecimento de que a espécie do animal não era venenosa, o medo tem a mesma intensidade.

Esse é um exemplo claro de experiência subjetiva consciente. A narrativa da pessoa trata das relações entre as sensações fisiológicas [dor na barriga], as possíveis origens pessoais daquela emoção [filmes de terror com cobras] e da cognição referente ao animal [saber que não era uma espécie venenosa]. 

Então a experiência subjetiva consciente não é a emoção, mas uma reflexão e uma explicação descritiva sobre a emoção.

A expressão não-consciente é aqui usada preferencialmente em relação à palavra inconsciente por ser mais geral e não ser a minha intenção explicar a não-consciência por meio da teoria psicanalítica. Ademais, a palavra inconsciente já possui várias interpretações do senso comum, o que desaconselha o seu uso nesse texto.

A experiência subjetiva não-consciente ocorre quando a pessoa não consegue encontrar palavras para descrever ou não consegue fazer uma relação entre as suas sensações fisiológicas [então ela sabe que existe uma emoção ocorrendo, pois sente no corpo] e o que está ocorrendo ou os motivos pelos quais esses “sinais” fisiológicos apareceram naquele momento.

Não raras vezes a pessoa vai dizer que se sente triste, por exemplo, mas não sabe o porquê. Outra forma que podemos perceber a experiência não-consciente é quando a pessoa só consegue descrever os efeitos fisiológicos. Por exemplo: “eu sinto um peso no corpo, mas não sei a razão, não aconteceu nada para eu me sentir assim….”

Nas principais teorias sobre emoções você poderá verificar que a essa experiência subjetiva [consciente ou não-consciente] se dá o nome de SENTIMENTO. [9]

 

4- Emocionar-se é estar predisposto a fazer ou deixar de fazer algo

Um terceiro elemento importantíssimo das emoções é que a “valência” da emoção te prepara, te predispõe a comportar-se, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. É necessário deixar claro que deixar de fazer algo também é um comportamento.

Além disso, dentro de um repertório de possíveis comportamentos esperados diante de uma determinada situação, as emoções orientam para um núcleo mais compatível. Por exemplo, alguém começa a discutir e fica com raiva. A raiva pode predispor o sujeito a iniciar uma luta corporal ou a ofender alguém verbalmente.

Note que o fato da emoção predispor a um comportamento esperado, ela não o determina [10]. No caso acima, para muitas pessoas, o fato de sentir raiva não implica necessariamente engajar-se numa luta corporal ou em proferir ofensas.

Então, o processo decisório sobre os nossos comportamentos intencionais envolve as nossas emoções mas não esta a elas resumido.

 

5 – As emoções são parte fundamental do nosso processo decisório, mas não o determinam

Sob o ponto de vista das funções que as emoções têm em nossas vidas, um dos principais é orientar o nosso processo decisório. [11]

Ao “gostar” [emoção com “valência” positiva] de algo, existe um aumento da probabilidade de que algum comportamento ocorra. É o caso de alguém que gosta de viajar, por exemplo. Espera-se que essa pessoa se desloque sempre que tenha possibilidade.

ibrale-tristezaEntretanto, é necessário entender que o processo decisório não envolve apenas a tendência emocional para fazer algo, mas outras condicionantes do comportamento. Viajar custa caro, então, apesar de gostar de viajar, alguém pode não fazê-lo por causa da falta de recursos financeiros para tal.

É interessante pontuar que, no exemplo acima, apesar da motivação para viajar, a impossibilidade da realização abre um leque de outros comportamentos possíveis, o que é uma dos fatos mais belos sobre o comportamento humano.

Por exemplo: ao encarar a impossibilidade de viajar por falta de recursos financeiros, alguém pode entristecer-se e ficar reclamando  das suas condições de vida. Outra pessoa, diferentemente, pode, a partir de entristecimento semelhante, e da consequente experiência emocional subjetiva, perceber que está no emprego errado e decidir dedicar-se a outro ofício mais rentável e que lhe permita, em futuro próximo, realizar seus planos de viagem.

Você percebe como o mesmo antecedente pode resultar em comportamentos completamente diferentes?

Nesse último caso, a experiência emocional subjetiva estendeu-se a uma visão futura de vida e ao planejamento profissional, orientando novos comportamentos laborais para que a tristeza por não realizar as viagens seja superada.

 

6 – Os diversos “nomes” que damos para as emoções estão relacionados com os seus graus de intensidade

A intensidade de uma emoção está relacionada com a percepção dos efeitos fisiológicos que ocorrem no corpo e com a experiência subjetiva que temos na emoção. [12]

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Graus do Medo – Atlas das EmoçõesEkman

Essa é a razão pela qual precisamos de diversos “nomes” para representar e expressar os diferentes graus de uma mesma “família” de emoções.

Vamos exemplificar com o medo. A partir dele podemos ter as seguintes palavras [mais ou menos em grau de intensidade]:

(a) Nervosismo; (b) Desespero; (c) Pânico; (d) Terror.

Temos diferentes palavras que nos transmitem distintos graus de medo. Para nos comunicarmos melhor temos essa necessidade de especificar não só a emoção propriamente dita, mas precisamos expressar o grau da sua ocorrência. Apesar dessa necessidade que sentimos de expressar o grau da experiência subjetiva, não é possível ser preciso acerca disso e jamais outro sujeito poderá compreender e experimentar o que outra pessoa está narrando.

Isso se dá pois a forma de experimentar, a intensidade fisiológica da emoção e os antecedentes são totalmente distintos para cada ser humano, ainda que estejam no mesmo ambiente. A percepção é individual e os elementos que as influenciam igualmente distintos. São, portanto, diferentes estados mentais que resultam em diferentes decisões.[…]

É o caso de alguém que participa de um safari em grupo e animais selvagens se aproximam do automóvel. Poderemos ver diferentes narrativas acerca do medo. Enquanto alguns poderão se referir à experiência quanto a ser aterrorizante, outro pode até se referir como excitante ou curiosa.

Para aproximar as versões pessoais da experiência subjetiva humana, somos dotados da capacidade de tornarmos empáticos. isso significa que somos capazes “simular” as circunstâncias pelas quais alguém passa. Essa simulação pode inclui a ocorrência de emoções. É por esse motivo que nos emocionamos ao assistirmos um filme. Não raras vezes você se encontrará chorando e se entristecendo diante das desventuras passadas. Essa é uma capacidade cognitivo-emocional essencial do  ser humano e sobre ela trataremos em uma nova postagem.

 

Resumindo os fatos sobre emoções

O fenômeno emocional humano é bastante complexo e, diante da proliferação de teorias e discursos, tudo vai ficando mais complicado e confuso para as pessoas que querem estudar esse tema. O que importa são os fatos sobre emoções.

Transversalmente a maior parte da formulação teórica e dos estudos científicos na área temos alguns fatos. De forma resumida podemos dizer que as nossas emoções envolvem: (1) ativação fisiológica; (2) experiências subjetivas emocionais conscientes e não-conscientes; (3). A ativação fisiológica estabelece uma “valência” que pode se manifestar no aumento ou na diminuição da probabilidade de um determinado comportamento ser repetido.

Além disso, existe uma abstração acerca da relação entre as reações fisiológicas, os antecedentes, estímulos, percepção e pensamentos que alguém experimenta durante a emoção. São diferentes estados mentais que diferem entre os indivíduos numa mesma situação.

Até os dias atuais não se criou uma teoria sobre emoções que superasse o dualismo corpo-mente, de forma que nossa descrição aqui não deve ser entendida como uma sequência, mas como uma lista de elementos que, de alguma maneira, fazem parte de qualquer uma das principais e mais aceitas teorias sobre emoções.

As emoções nos motivam e são fundamentais na comunicação humana, motivo pelo qual elaboramos diversas formas para expressar os distintos graus de intensidade das nossas experiências emocionais. Para auxiliar que uma pessoa possa entender a versão que de outro ser humano tem de uma experiência emocional somos dotados da capacidade de sermos empáticos e nos colocarmos numa simulação psicológica da situação, sobre a qual trataremos em detalhes em futuro próximo.

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Referências

[1][8]  Ekman, P (2016). What scientists who study emotion agree about. Disponível em: <https://ibrale.com.br/wp-content/uploads/2021/11/What-Scientists-Who-Study-Emotion-Agree-About-1.pdf>;

[2] The science of emotion: exploring the basics of emotional psychology. Disponível em: <https://online.uwa.edu/news/emotional-psychology/>

[3] Descartes, René (1649/1973). As paixões da alma. São Paulo: Abril Cultural (col. Os Pensadores).

[4] James, W. (1884). What is an emotion?. Mind, n. 9, p. 188-205.

[5] Cannon, W.B. (1931). Again the James-Lange and the thalamic theories of emotion. Psychological Review38 (4): 281–295.

[6] Machado, L. Facci, M. Barroco, S. (2011). Teoria das emoções em Vigotski. Psicologia em Estudo 16 (4).

[7] Damasio, A.R. (2004) Em Busca de Espinosa – Prazer e dor na ciência dos Sentimentos; tradução: Laura Teixeira Motta – São Paulo: Companhia das Letras.

[9][11] Damasio, A.R. (2000) O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras.

[10] Fritz, S.,  Pauli, P. e Weyers, P. Editorial: Emotion and Behavior. Disponível em:<https://www.frontiersin.org/articles/10.3389/fpsyg.2016.00313/full>

[12] Ekman, P. (2016). Atlas of emotion. Disponível em: <http://atlasofemotions.org/#introduction/>.

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