Empatia e maturidade emocional

Divulgue e opinie

Essa postagem é um diálogo entre Virgínia Fantoni e Sergio Senna a partir do texto: Emoções; 6 fatos incontestáveis

Iniciamos pelo comentário de Virginia:

“Já que as emoções são experiências subjetivas (conscientes ou não), fico impressionada como as pessoas insistem em “saber” o que outro está sentindo, E ainda dizem “Você não pode/deveria” se sentir assim”.

Sergio Senna – empatia: a simulação do outro

Resolvi dar o título acima a essa reflexão, pois confesso que também não entendo muito essa vontade das pessoas ficarem tentando controlar uma às outras, dizendo que ela deveria/poderia fazer isso ou aquilo, principalmente quando a opinião nem é solicitada…. Para os amantes do Zodíaco, devo expressar essa grande necessidade de liberdade por ser um  aquariano, com ascendente em aquário [nascido em 5/2/66, na cidade do Rio de Janeiro]….

Mas falando sério, parece que, nesse caso específico, é um resultado [por vezes até indesejado] da empatia. A empatia é essa capacidade humana de SIMULAR as condições por que passa outra pessoa [1], colocar-se no lugar dela, em inglês… “be in someone else’s shoes” [expressão que sempre achei interessante por remeter aos pés e não ao coração ou à cabeça]. É um processo tão poderoso que em nós chega a eliciar emoções profundas.

É, portanto, um processo complexo que envolve funções mentais variadas, básicas e superiores, incluindo abstrações sobre a própria experiência passada, acesso à memória, novas emoções e tomada de decisões acerca do que fazer com o RESULTADO desse processo empático.

ibrale-empatia-maturidade-empcionalEm uma primeira análise, eu penso que talvez você esteja vendo esse efeito: uma pessoa é empática, mas não tem maturidade emocional suficiente para dar o devido destino [na forma comunicativa] ao resultado desse processo pessoal. Essa pessoa, então, sente a urgência em se comunicar para tentar intervir no comportamento do outro por meio de OPINIÕES, de COMENTÁRIOS ou até mesmo de ORDENS.

Faz tempo que aprendi a esperar que as pessoas solicitassem as minhas avaliações [resultado do meu processo pessoal de empatia] sobre o que me contam. Não sou “rápido no gatilho”….

Entendo que chegar a esse ponto faz parte do amadurecimento emocional individual, mas que a tendência é seguir o primeiro caminho guiado pelas emoções. Novamente lembrando: se a empatia provoca uma nova emoção numa pessoa, e essa nova emoção a prepara para falar ou intervir na vida da outra, caso ela não realize uma REGULAÇÃO CONSCIENTE dessa URGÊNCIA, não restará saída senão comunicar o que pensa ser melhor que seu interlocutor faça ou pense seja em forma de opiniões, comentários ou ordens…..

 

Virgínia Fantoni – quais são os limites da empatia?

Exatamente professor. O que eu tenho notado é que o conceito de empatia não está nada claro para as pessoas.

Percebo que: Elas entendem que “se colocar no lugar do outro” significa sentir o que o outro sente. Isto é impossível, pois eu nunca vou saber o que o outro sente. Portanto, eu simulo esse sentimento baseado na minha própria experiência (se já passei por isso, a memória desse momento vai provocar em mim a emoção que senti naquela ocasião) ou o que eu sentiria no lugar dela levando em conta a tentativa de perceber a percepção do outro, tentar imaginar o que ela possa estar sentindo.

De qualquer maneira:

  • Não tenho certeza se o sentimento é esse (o impacto emocional nela);
  • Mesmo que eu tivesse essa certeza, como poderia saber o que é melhor para ela? Por outro lado, a empatia pode levar à ação ou não, a empatia acontece ou não, e eu decido o que fazer. Posso não fazer nada, inclusive por isso, quando as pessoas se referem a ter mais empatia, elas relacionam com uma ação, neste caso seria, compaixão ou preocupação empática.

É isso?

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Sergio Senna – empatia no processo decisório

Sim Virgínia, a sua reflexão aborda e aprofunda outros aspectos. Eu penso que a palavra “simulação” é excelente nesse contexto, pois já expressa que é uma tentativa de conseguir alguma aproximação do que está ocorrendo na realidade [com a outra pessoa]. Você tem total razão em mencionar que é impossível alguém reproduzir, em verdadeira grandeza, todos os processos psicológicos alheios [a única forma de aproximar os resultados das interações desses processos].

Classificações como primária e secundária, básico e superior difundem confusão quando sugerem a existência de uma hierarquia ou ainda pior, no caso de básico e superior, de superação em qualidade de um sobre o outro. Em termos psicológicos, isso não é necessariamente verdade, pois, em determinada situação, um processo psicológico básico pode ser mais importante do que um superior, por exemplo. Se alguém perder a memória [básico], a memória lógica [superior] vai para o beleléu…

Duvido muito que até com gêmeos idênticos seja possível tal simulação empática, ainda que tenhamos conhecimento de que existem semelhanças incríveis nos processos psicológicos nessa população específica. É virtualmente impossível, pois somos pessoas diferentes biológica e culturalmente. Nossos ambientes, ainda que replicados à exatidão, exercem diferentes influências, é o que mostram as inúmeras pesquisas realizadas com gêmeos idênticos, o que facilita a avaliação dos fatores culturais e ambientais. [2][3][4]

No senso comum, muitos vocábulos se aproximam em significado: empatia se confunde com compaixão… “mostre alguma empatia” serve de equivalente para “mostre alguma compaixão”. Observe que quando falamos de empatia aqui nos referimos a um processo complexo cognitivo-emocional de simulação, já a compaixão é uma emoção [classificada por alguns como secundária ou social]. Essas classificações, às vezes, só trazem mais confusão…..

Sobre a questão do “resultado” de um processo decisório, é igualmente um processo cognitivo-emocional que pode resultar em soluções bem diferentes para um mesmo problema dado [considerado o mesmo sujeito ou sujeitos diferentes]. Nesse contexto, uma variável muito importante são as emoções, mas igualmente importante é a experiência anterior com problemas semelhantes. esse último pode ser também uma influência tão poderosa a ponto de alterar definitivamente a decisão

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Esse raciocínio se baseia no fato de que um dos mais eficientes reguladores do comportamento são as suas consequências. No processo decisório, a par de outros fatores, há uma concorrência entre os reguladores. As emoções regulam, mas a previsibilidade das consequências [resultantes da experiência] também regulam. É no contexto dessa tensão entre os diversos reguladores, entre outros elementos importantes, que a decisão ocorre.

Então, a experiência anterior acerca das consequências de um comportamento pode alterar a decisão sobre ele. É o caso de uma criança que já foi levada para a “coordenação” da escola várias vezes e outra que nunca passou por isso. O receio da consequência para a segunda criança provavelmente contribuirá mais para o processo de sua decisão de não fazer bagunça. No caso da primeira criança, se ela já passou pela dessensibilização, a ida à coordenação irá cada vez afetar menos o seu processo decisório.

Outro elemento que você introduziu e que, em minha opinião, merece uma postagem exclusiva: é o poder da imaginação nisso tudo. A imaginação é também um processo de simulação, mas sem o propósito exclusivo de colocar-se no lugar de outra pessoa. Uma das grandes questões acerca da imaginação é que ela não está limitada às leis da física, então é uma simulação que não está restrita, necessariamente, aos limites da realidade…. Poderemos voltar a esse tópico no futuro, mas já é possível ter uma noção do porquê de certas ideias imaginárias serem tão poderosas: elas não precisam obedecer aos limites da realidade! Então, se alguém quer se livrar do poder avassalador de uma fantasia, o mais adequado a fazer é realiza-la! Mas isso é conversa para outra postagem.

Desejamos uma boa leitura aos leitores e aguardamos os comentários

Referências

[1] Damasio, A.R. (2004) Em Busca de Espinosa – Prazer e dor na ciência dos Sentimentos; tradução: Laura Teixeira Motta – São Paulo: Companhia das Letras.

[2] Byrne, Brian; Wadsworth, Sally; Corley, Robin; Samuelsson, Stefan; Quain, Peter; Defries, John C.; Willcutt, Erik; Olson, Richard K. (2005). “Longitudinal Twin Study of Early Literacy Development: Preschool and Kindergarten Phases”. Scientific Studies of Reading. 9 (3): 219–235.

[3] Felson, Jacob (January 2014). “What can we learn from twin studies? A comprehensive evaluation of the equal environments assumption”. Social Science Research. 43: 184–199. 

[4] Propping, Peter; Bouchard, Thomas J., eds. (1993). Twins as a tool of behavioral genetics. London: J. Wiley. 

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