Sinais silenciosos | Compreendendo a linguagem corporal intercultural

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Pode haver uma grande variação da linguagem corporal entre culturas. Em algumas, por exemplo, é considerado rude fazer contato visual direto, enquanto em outras é visto como um sinal de respeito.

Além disso, certas expressões faciais, gestos e posições do corpo podem ter significados diferentes para distintos seres humanos. Por exemplo, em algumas culturas, um sorriso pode ser considerado um sinal de concordância, enquanto em outras pode indicar desacordo.

No caso dos gestos, os considerados obscenos para uma cultura podem ter significado distinto, positivo ou neutro em outra cultura. Então, é importante estar ciente dessas nuances culturais para realizar a correta leitura das sutilezas comunicadas pela linguagem corporal entre culturas, o que detalharemos a seguir.

O que é linguagem corporal?

A comunicação não-verbal é a troca de mensagens por meio de sinais não-verbais, como a linguagem corporal, a expressões faciais, os gestos, a postura e o contato visual. Nossa percepção sobre ela, nos traz informações sobre as emoções, intenções e significados para além do que os nossos interlocutores estão verbalizando. Apesar de ter uma vida comunicativa própria, no geral, ela funciona como uma “moduladora” da comunicação verbal, alterando, contradizendo ou reforçando o que é dito (Pires, 2022).

As principais áreas de estudo científico da comunicação não verbal são:

  1. Cinésica: na qual se estudam a linguagem corporal, as expressões faciais, os gestos, o contato visual e as posições do corpo;
  2. Proxêmica: que compreende o estudo sobre como os seres humanos se organizam e ocupam os seus espaços;
  3. Paralinguagem: na qual são estudas as características físicas dos sons [velocidade, altura, volume etc], entonação, silêncios e pausas, durante a comunicação;
  4. Aparência física: que compreende o estudo do impacto dos elementos da aparência física na interpretação dos interlocutores;
  5. Cronêmica: é o estudo de como percebemos e organizamos o tempo. Existem diferenças culturais na percepção e nas atitudes em relação ao tempo, incluindo a forma de usar o tempo na vida diária e como estruturamos nossas atividades no tempo disponível;
  6. Artefatos: os objetos que usamos também indicam certas simbologias, como bolsa de determinadas marcas ou automóveis, comumente utilizadas para indicar posições sociais, por exemplo.

A linguagem corporal é, portanto, uma parte da comunicação não-verbal expressa por meio de comportamento motor, como expressões faciais, contato visual, gestos, postura e outros movimentos corporais. É uma forma de comunicação inaudível a partir da qual podemos perceber as atitudes, as emoções e realizar inferências sobre as intenções.

São exemplos de linguagem corporal:

  • Sorriso;
  • Expressões faciais;
  • Contato visual;
  • Gestos com as mãos;
  • Posturas corporais;
  • Orientação corporal;
  • Movimentos com a cabeça.

A linguagem corporal é biológica em que medida?

Até certo ponto, a linguagem corporal é biológica, pois existe uma dimensão evolutiva importante. Como veremos adiante, a linguagem corporal é amplamente determinada por normas e expectativas culturais, mas também é influenciada por características biológicas e evolutivas.

As expressões faciais e muitos dos nossos movimentos não conscientes estão intimamente ligados ao funcionamento do Sistema Nervoso Autônomo e aos hormônios que ativam diversas funções orgânicas e psicológicas.

Essas substâncias químicas não determinam o nosso comportamento, mas nos preparam para fazermos ou deixarmos de fazer alguma coisa. No que diz respeito à linguagem corporal, é sempre academicamente bastante inteligente defender a sua natureza híbrida biológico-cultural, ao invés de escolher um dos lados.

A linguagem corporal é cultural?

Certamente a linguagem corporal é decisivamente influenciada por normas, expectativas e valores culturais. Cada cultura tem seu próprio conjunto de regras e gestos de comunicação não-verbal, que podem ser muito diferentes daqueles usados ​​em outras culturas. Portanto, é importante considerar essas particularidades ao interpretar a linguagem corporal entre culturas distintas.

Sobre a questão da linguagem corporal ser cultural, a partir do conhecimento científico atual, podemos concluir que:

  • A linguagem corporal é influenciada por normas, expectativas e valores culturais.
  • Existem elementos gerais na linguagem corporal relacionados a emoções, portanto fortemente relacionado ao biológico.
  • A linguagem corporal é uma forma poderosa de comunicação das emoções e que afeta as interações humanas.
  • A universalidade da linguagem corporal não foi demonstrada além da dúvida razoável, a despeito de existirem padrões comportamentais não-verbais.
  • A interpretação da linguagem corporal varia significativamente entre culturas.
  • O contato visual direto pode ser interpretado de maneira diferente em diferentes culturas.
  • Gestos comuns [emblemas] podem ter significados opostos em contextos culturais diversos.
  • A assertividade na comunicação varia entre culturas, afetando os gestos e toques.
  • A expressão de emoções através da linguagem corporal pode variar culturalmente.
  • É essencial compreender e respeitar as diferenças culturais na linguagem corporal para interagir eficazmente em contextos multiculturais.
Conheça mais sobre a dimensão cultural da linguagem corporal

evidências [veja o trabalho do Dr. Paul Ekman e de David Matsumoto] de que elementos da linguagem corporal sejam gerais o suficiente para considerarmos que existe um núcleo de expressões faciais e de movimentos que sejam relacionados à certas emoções.

Podemos considerar, sem sombra de dúvida, que é uma forma poderosa de comunicação que pode ter um efeito profundo em como interagimos e entendemos os outros. No entanto, é importante reconhecer que a linguagem corporal não é universal [pois isso nunca foi demonstrado, além da dúvida razoável] e pode variar significativamente entre as culturas.

A respeito da linguagem corporal entre culturas diferentes, por exemplo, podemos mencionar que, em algumas culturas, o contato visual direto é visto como um sinal de respeito, enquanto em outras é visto como um sinal de desrespeito ou agressão. Da mesma forma, o mesmo gesto pode significar algo completamente diferente dependendo do contexto e da cultura. Por exemplo, o sinal de “polegar para cima” é um sinal positivo no mundo ocidental, mas em alguns países asiáticos é considerado um sinal de desrespeito.

Em algumas culturas é mais comum ser direto e assertivo ao se comunicar [como nos EUA, por exemplo], enquanto em outras é mais assertivo ser indireto e sutil [culturas latinas de forma geral]. Isso pode ser visto na maneira como as pessoas interagem fisicamente umas com as outras. Por exemplo, no Brasil, é mais comum cumprimentar os outros [incluindo estranhos] com abraços e beijos, enquanto nos EUA, um aperto de mão é visto como mais apropriado em muitas situações.

A linguagem corporal também pode ser usada para comunicar emoções como felicidade, tristeza, raiva e medo. No entanto, é importante reconhecer que a forma como essas emoções são percebidas pode variar significativamente entre as culturas. Por exemplo, em algumas culturas é mais comum expressar felicidade por meio de sorrisos discretos, enquanto em outras pode ser mais apropriado expressá-la em modalidades mais intensas de riso.

No geral, a linguagem corporal é importante para a comunicação e elicia profundos efeitos nas formas como interagimos e entendemos uns aos outros. No entanto, é importante reconhecer que ainda não se demonstrou, além da dúvida razoável, que o comportamento não verbal ou até mesmo que as expressões faciais das emoções básicas sejam universais, sendo observada certa variação significativa dependendo do contexto cultural. Diferentemente de defender que existe uma universalidade, vale a pena defender que há padrões estáveis o suficiente para que sejam criadas teorias gerais sobre os diversos aspectos da comunicação não-verbal.

Vale, portanto, investir na compreensão das diferenças culturais na linguagem corporal de forma interagirmos melhor, a entendermos e a respeitarmos o comportamento de pessoas a partir da percepção da linguagem corporal entre culturas diferentes.

O quanto o nosso comportamento é influenciado pela cultura?

Essa é uma pergunta importante e nos oferece a oportunidade de apresentar o trabalho de um grande pesquisador em psicologia que é Jaan Valsiner. Ele defende uma concepção híbrida corpo-mente na qual a cultura orienta a maneira como os humanos pensam, sentem e agem em uma variedade de contextos. Ele analisa como a cultura influencia as maneiras pelas quais as pessoas interagem entre si, como aprendem, como pensam sobre o mundo ao seu redor.

  • A cultura é dinâmica e está sempre em evolução, influenciando indivíduos e sociedades;
  • A cultura guia a percepção, decisões e comportamentos das pessoas.
    A cultura abrange práticas, rituais e símbolos complexos;
  • A Psicologia Cultural explora as relações entre culturas e indivíduos, analisando seu desenvolvimento mútuo;
  • A linguagem corporal é também uma manifestação da cultura e um meio de observar diferenças interculturais na expressão das emoções.
Conheça mais sobre o poder da cultura para orientar nosso comportamento

Um dos principais insights de Valsiner é que a cultura não é uma entidade estática, mas um conjunto de crenças, práticas e valores sempre em constante evolução. Ele argumenta que, por causa disso, os indivíduos e as sociedades estão em permanente estado de fluxo. Isso significa que entender a cultura é essencial para entender a vida dos indivíduos e das sociedades.

Seu trabalho descreve como as culturas orientam a maneira como os indivíduos percebem o mundo e como isso influencia as suas decisões e os seus comportamentos. Ele argumenta que a cultura não é simplesmente uma coleção de crenças e valores, mas sim um conjunto complexo de práticas, rituais e símbolos. É, portanto, o precursor e uma figura central na criação da Psicologia Cultural.

A Psicologia Cultural se dedica a estudar as relações de construção mútua entre as culturas e os indivíduos e como se dá o desenvolvimento de ambos. Propõe-se a examinar como as práticas culturais, crenças e valores influenciam como as pessoas interagem entre si, como aprendem e como pensam. Ela se detém nas avaliações sobre como a cultura pode impedir e promover o desenvolvimento individual e social. Também analisa como a cultura afeta as maneiras pelas quais as pessoas interagem com a tecnologia e quais são os seus possíveis efeitos coletivos e individuais.

No que diz respeito à linguagem corporal, a Psicologia Cultual a destaca como elemento de ligação essencial entre os processos fisiológicos e psicológicos e como uma das manifestações das emoções. O fenômeno emocional é complexo e envolve muitas dimensões, abrangendo desde a ativação fisiológica, sem a qual não há emoção, até os sentimentos, que são interpretações subjetivas do fenômeno emocional como um todo. Então, como expressamos as emoções, oferece uma oportunidade para a compreensão da linguagem corporal entre culturas como lugar de observação dessas diferenças.

Quais são as principais diferenças na linguagem corporal entre culturas?

1. Contato visual – Em algumas culturas, o contato visual direto é visto como um sinal de respeito, enquanto em outras seja desrespeitoso ou mesmo ofensivo. Por exemplo, o contato visual direto é considerado apropriado nos Estados Unidos, enquanto em muitas culturas asiáticas [e.g. Japão] pode ser considerado desrespeitoso.

2. Apertos de mão – Os apertos de mão são uma forma comum de saudação em todo o mundo, mas variam consideravelmente em força e duração. Por exemplo, nos Estados Unidos um aperto de mão firme é considerado sinal de respeito, enquanto um aperto de mão fraco é visto como sinal de fraqueza. No Japão, no entanto, um aperto de mão gentil é a norma.

3. Sorrir – Sorrir é um gesto universal que transmite simpatia e é frequentemente usado como forma de quebrar o gelo em muitas culturas. No entanto, o significado de sorrir e da linguagem corporal entre culturas varia. Por exemplo, nos Estados Unidos, um sorriso de boca aberta é visto como uma expressão de alegria, enquanto no Japão é visto como um sinal de constrangimento.

4. Postura – A postura é uma forma de linguagem corporal que pode revelar muito sobre as emoções e intenções de uma pessoa. Por exemplo, nos Estados Unidos, uma postura ereta é vista como um sinal de confiança, enquanto em alguns países asiáticos uma postura mais relaxada é vista como educada.

linguagem-corporal-entre-culturas-emblema-o5. Gestos – Gestos são sinais não-verbais que podem ser usados para comunicar uma ampla gama de emoções. Por exemplo, na Inglaterra, um gesto de dois dedos em formato de “V” com as costas da mão voltada para o observador é um gesto obsceno, enquanto no Brasil o mesmo gesto não tem significado.

6. Toque – O toque é uma forma de linguagem corporal que pode comunicar uma variedade de mensagens, desde conforto e apoio até domínio e agressão. Por exemplo, nos Estados Unidos, um abraço costuma ser usado para expressar afeto, enquanto em muitos países do Oriente Médio é visto como inapropriado entre membros do sexo oposto.

7. Acenar com a cabeça – Acenar com a cabeça é uma forma comum de linguagem corporal que pode indicar concordância, compreensão ou aprovação. Por exemplo, nos Estados Unidos, um único aceno de cabeça costuma ser usado para mostrar concordância, enquanto em muitas culturas asiáticas vários acenos de cabeça são usados para expressar concordância, compreensão ou submissão.

8. Expressões faciais – As expressões faciais são uma forma de comunicação não verbal que pode revelar as emoções ou intenções de uma pessoa. Por exemplo, nos Estados Unidos, um sorriso é visto como um sinal de felicidade, enquanto em muitas culturas asiáticas um leve sorriso pode indicar constrangimento ou medo. Na China, manter uma expressão facial neutra é visto como um sinal de polidez, enquanto em outras culturas, como o México, as expressões faciais costumam ser usadas para expressar emoções.

9. Mudança de postura – A mudança de postura é uma forma de transmitir uma gama de emoções sem falar. Por exemplo, nos Estados Unidos, inclinar-se para a frente costuma ser visto como um sinal de interesse, enquanto em muitos países latino-americanos pode ser interpretado como agressivo ou rude.

10. Desviar o olhar – Desviar o olhar é uma forma de linguagem corporal que pode indicar tédio, desinteresse ou até mesmo medo. Por exemplo, nos Estados Unidos, desviar o olhar de alguém pode ser considerado rude, enquanto em muitas culturas asiáticas pode ser considerado um sinal de respeito.

11. Espaço Pessoal – Em algumas culturas, como a Índia, as pessoas ficam muito mais próximas umas das outras quando conversam, enquanto em outras culturas, como nos Estados Unidos, as pessoas ficam mais distantes.

Efeitos da globalização e da difusão de conhecimento sobre comunicação não-verbal

Pode-se notar um efeito geral de padronização na linguagem corporal entre culturas a partir da globalização e da popularização do conhecimento sobre comunicação não-verbal. Um dos efeitos de best sellers sobre o tema é a criação da expectativa de que se sabe interpretar a linguagem corporal entre culturas. Então, o significado dos gestos passa a sofrer uma padronização. Os gestos, por exemplo, tidos como aqueles que mostram “confiança” começam a ser utilizados intencionalmente para comunicar esse mensagem. Isso abre a possibilidade de uma pessoa nada confiante utilizar o gesto para induzir outros a conclusões positivas sobre a sua autoconfiança.

Além disso, a divulgação de entretenimento entre culturas, também transmite a sua linguagem corporal, o que pode resultar na aquisição de gestos e movimentos que antes não eram observados.  Existe um tipo de gesto chamado emblema, cujo significado é conhecido em determinada cultura. Os gestos obscenos estão nessa categoria e o “dedo do meio”, por exemplo, não fazia parte do repertório brasileiro na década de 70. Entretanto, hoje em dia é muito comum. Isso se deve à difusão de filmes norte-americanos e à disposição cultural brasileira em utilizar esse tipo de gesto.

Considerações finais

Neste artigo exploramos a intrincada relação entre a linguagem corporal e a diversidade cultural. Ficou claro que a linguagem corporal é uma parte essencial da comunicação humana, que varia consideravelmente entre culturas.

No entanto, é importante reconhecer que há uma confluência de biológica e cultural em nossas formas de expressão, entre elas a linguagem corporal. O nosso comportamento, incluindo nossa linguagem corporal, é profundamente enraizado nas normas e valores da sociedade em que vivemos. Portanto, identificamos diversas diferenças notáveis na linguagem corporal entre culturas, desde o uso do contato visual até os gestos comuns.

Além disso, consideramos os impactos da globalização e da disseminação de conhecimento sobre a comunicação não-verbal, destacando a necessidade crescente de compreender e respeitar as diferenças interculturais na linguagem corporal.

Em um mundo cada vez mais conectado, a consciência dessas distinções se torna essencial para uma comunicação eficaz e para a promoção da harmonia entre culturas diversas.

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Referências

PIRES, Sergio Fernandes Senna. A comunicação não verbal na política: introdução aos campos de estudo e funções. In: Eloi Martins Senhoras. (Org.). Ciência política: debates temáticos 2. Ponta Grossa: Atena, 2022, v. 1, p. 1-14.

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