A ansiedade em um mundo acelerado pela tecnologia: como lidar?

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Tecnologia e ansiedade andam de mãos dados. A ansiedade é um problema de saúde mental cada vez mais comum no mundo acelerado, principalmente em cenários de ubiquidade tecnológica, ela está em toda parte! Alguns ambientes ansiogênicos podem ser muito desafiadores no mundo impulsionado.

Entretanto, existem estratégias que podem ser usadas para lidar, até mesmo com esses casos mais extremos.

Neste artigo, discutirei alguns dos métodos mais eficazes para lidar com a tecnologia e a ansiedade em um mundo impulsionado pela tecnologia.

Existem três passos gerais para iniciar qualquer abordagem na qual se deseje alterar comportamentos:

  1. reconhecer que há um problema;
  2. saber separar aqueles que se pode resolver sozinho dos que precisamos de ajuda;
  3. pagar o preço das necessárias mudanças.

Um dos passos mais importantes para lidar com a ansiedade é reconhecê-la. É importante entender que a ansiedade é uma realidade e se apresenta cada vez mais frequente na vida das pessoas. Esse fenômeno não deve ser minimizado ou ignorado. Reconhecer é o primeiro passo para a compreensão mais ampla e profunda para futura intervenção.

 

Como e por que as redes sociais aceleram o seu comportamento e são ansiogênicas?

Reflexões como as realizadas por Koslova (2021) estão cada vez mais numerosas e nos dão conta sobre os aspectos positivos e negativos da monetização das redes sociais.

A ganância como guia

O principal motivo pelo qual as redes sociais aceleram a apresentação de conteúdo, é a ganância. Você já parou para pensar que “trabalha” para uma ou mais delas?

A principal fonte de recursos de uma rede social é o impulsionamento de conteúdo. De alguma forma, eles conseguiram que as pessoas acreditassem na lisura e na transparência de um processo no qual eles alocam impulsionamentos, certificam que os conteúdos foram visualizados e cobram mediante suas próprias métricas.

Isso equivale a “dominar” todas as fases desse impulsionamento.

Eu e você somos “trabalhadores” das redes

Sem os nossos conteúdos, nenhuma rede social conseguiria produzir a quantidade de matérias cuja “vida média” ou mortalidade é elevadíssima. Então, entre outras coisas, o que faz essas redes funcionarem são os nossos conteúdos e a nossa presença, é claro.

Dominar todas as fases do impulsionamento é a chave

Nesse contexto, uma das formas mais eficazes de vender mais visualizações é diminuir o tempo em que cada expectador permanece nos conteúdos. Daí, você consegue entender o porquê dos Reels de 30 segundos. Esse é o tempo máximo que determinada rede induz você a passar em cada conteudo. Além do mais, produzir um vídeo com 30 segundos viabiliza uma taxa maior de conteúdo/produtor.

Somos treinados na Caixa de Skinner digital

mundo-acelerado-mundo-impulsionado-ibrale-1Observe o movimento que as pessoas fazem para passar o conteúdo no scroll infinito, no qual você já vê uma prévia do conteúdo seguinte. Sob o ponto de vista comportamental, uma pessoa não vai ficar, na prática, mais de um segundo em cada conteúdo…… Não importando quanto tempo foi de viasualização, se a matéria foi visualizada, ela será cobrada.

Qual é o efeito comportamental disso?

Existem muitos efeitos que poderíamos levantar e que são mencionados em estudos recentes (e.g. Valkenburg, 2022; Wong,  et al. 2021; Thorisdottir, 2019), mas um dos principais é a aceleração social e a geração decorrente de ansiedade generalizada.

Vejamos, então, o que podemos fazer.

 

1º passo – reconhecer que há um problema – a ansiedade

A ansiedade é multiforme. Seus tipos mais frequentes (DSM-V) incluem o transtorno de ansiedade generalizada, o transtorno do pânico, o transtorno de ansiedade social e fobias específicas. Se alguém está experimentando sintomas de ansiedade, pode sentir um nível excessivo de medo, preocupação ou apreensão sobre uma determinada situação. Outros sintomas podem incluir dificuldade para dormir, falta de ar, aumento da frequência cardíaca, dificuldade de concentração, tensão muscular, inquietação e muito mais.

Reconhecer a ansiedade em si ou nos outros é o primeiro passo para fazer algo a respeito. Aprender sobre os seus diferentes tipos e sobre os sinais e sintomas pode ajudar a identificá-la desde o início. Em cenários mais leves, é possível lidar com a ansiedade de forma autônoma. Entretanto, a ajuda de um psicólogo pode acelerar esse processo com a elaboração de um plano para lidar com a ansiedade e levar uma vida mais saudável e produtiva.

 

Como a ansiedade se apresenta?

ansiedade-mundo-impulsionado-mundo-acelerado-ibrale-450Atualmente, estamos expostos a uma quantidade enorme de situações ansiogênicas. Algumas delas são intencionais, uma vez que a pessoa ansiosa tende a decidir mais rápido e por impulso. Então, vamos encontrar muitas ocasiões nas quais vendedores nos conduzem a cenários ansiogênicos para conseguir a venda.

Muitos golpes também envolvem a indução de estados ansiogênicos. Certos valores como o narcisismo, a ganância e a raiva podem ser usados para gerar a ansiedade e tornar a pessoa mais apta para decidir, não raras vezes, a seu desfavor…..

Muitas estratégias utilizadas nas redes sociais também se valem da indução da ansiedade. Então, para esses casos, a pessoa precisa diminuir a sua exposição a esses ambientes.

Quanto antes você compreender que o processo ansiogênico de aceleração social é intencional, mais cedo você terá condições de fazer algo para se contrapor a isso na sua vida.

Para conhecer mais sobre aceleração social, veja:

Emoções e o uso das redes sociais

Sofrimento mental, emoções e a vida: a necessidade de uma abordagem integral

Medo na Pandemia | 10 estratégias para enfrentar

 

Ansiedade é um tipo de medo?

A relação entre medo e ansiedade pode ser complexa e difícil de entender (Lang, 2019). São duas emoções distintas, mas compartilham alguns pontos em comum e muitas vezes podem ser vivenciadas juntas. Paul Ekman (2018) explica que o medo é uma emoção relacionada à percepção de uma ameaça específica, presente e conhecida; ansiedade é um estado emocional geral de nervosismo ou mal-estar sobre um futuro incerto.

O medo é uma emoção frequentemente desencadeada em resposta a um perigo ou ameaça específica que pode ser vista, ouvida ou sentida. Sua principal função é nos preparar para a ação e, geralmente, dura pouco e se dissipa quando a ameaça percebida desaparece.

A ansiedade, por outro lado, é um estado psicológico e fisiológico de mal-estar, angústia e pavor que muitas vezes resulta de incerteza. Pode ser causada por uma série de fatores, incluindo situações e eventos completamente imaginários e que ainda não ocorreram. É, portanto, uma emoção mais difusa e menos específica do que o medo. Geralmente pode durar dias, semanas e até meses.

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Termos que descrevem sentimentos de medo em suas diversas intensidades. Paul Ekman (2018) – Atlas das Emoções.

 

2º passo – diferenciar se você pode resolver sozinho ou se precisará de ajuda

Inicialmente, é necessário dizer que ajuda é sempre bom. Então, não é necessário enfrentar os casos de ansiedade sozinho. Por outro lado, logo no início, se você consegue reconhecer e lidar com sua ansiedade de forma autônoma, isso pode contribuir para o fortalecimento de sua autoconfiança, da sua capacidade de abstração e de distanciamento.

Distanciamento (Powers & LaBar, 2019) é a capacidade que temos de colocar os nossos comportamentos e pensamentos em perspectiva, como se fôssemos uma terceira pessoa. Quanto mais você desenvolve essa capacidade, mais autônomo você se torna e menos dependente de outras pessoas para intervir em seus próprios comportamentos e mais independente para resolver os seus problemas.

Uma vez que a ansiedade foi reconhecida, é importante trabalhar para gerenciá-la. O primeiro passo é controlar as respostas fisiológicas da ansiedade, que geralmente são bem desconfortáveis, como veremos adiante.

Como, então, reconhecer se você precisa de ajuda ou não? Inicie pelo primeiro passo. Tente controlar as respostas fisiológicas da ansiedade. Se você for bem-sucedido, siga adiante, mas se não conseguir, esse é um indicador claro que o melhor a fazer é procurar ajuda.

Imagine o quão difícil seria, para você, realizar as seguintes tarefas:

1. Estabelecer limites saudáveis com a tecnologia – limite a quantidade de tempo que você passa nas redes sociais, estabeleça horários específicos para quando você irá acessá-las e fique atento a quais conteúdos você se expõe.

2. Conectar-se com a natureza – faça uma pausa na tecnologia e reconecte-se com a natureza. Dê um passeio, faça uma caminhada ou simplesmente sente-se e aprecie a paisagem.

3. Incorporar exercícios físicos à sua rotina – exercícios físicos podem ajudar a reduzir o estresse e a ansiedade. Pratique atividades como ioga ou meditação.

3. Monitorar seus pensamentos – tome consciência de seus pensamentos e substitua pensamentos negativos por positivos.

4. Praticar a atenção plena – avalie a sua capacidade em concentrar-se no momento presente.

5. Aumentar a conexão no mundo real com outras pessoas – procure amigos e familiares para obter apoio para lidar com a ansiedade.

6. Desafiar-se – aumente gradualmente a sua exposição a situações sociais e desafie-se a sair da sua zona de conforto.

Simule, em sua mente, o quão difícil seria realizar essas tarefas. Imagine um nível de dificuldade em três patamares [fácil – médio – difícil]. Se você encontrou mais de três com a dificuldade máxima, é mais indicado procurar um psicólogo para te ajudar nessa caminhada.

 

5 dicas para ajudá-lo a reconhecer e controlar sua ansiedade no mundo impulsionado

Controle os efeitos da bioquímica da ansiedade

  • Identifique o que dá início à ansiedade. Observe o que ocorre em seu corpo. O que ocorreu quando você começou a sentir as palpitações, ou falta de ar, ou dor em algum lugar? Foi algo no ambiente ou foi um pensamento? Que coisas iniciam a ansiedade? Você fica mais ansioso em certas situações, como durante uma prova ou reunião?  Essa identificação é fundamental para elaborar uma estratégia de enfrentamento.
  • Utilize técnicas de relaxamento e acalme-se antes de criar estratégias de enfrentamento dos problemas ansiogênicos e do mundo impulsionado.

Os efeitos da adrenalina e do cortisol em nosso corpo podem ser muito desconfortáveis e prejudiciais à saúde no médio e longo prazos. Então, um bom plano para lidar com a ansiedade começa por diminuir esse desconforto para ganhar clareza para a próxima etapa.

Identifique a(s) causa(s)

  • Examine seus pensamentos. O que você está pensando e sentindo quando percebe a ansiedade? Você está ruminando sobre a ansiedade ou focando nos aspectos negativos da situação? É a sua percepção? É a imaginação do “pior” cenário? É o mundo acelerado? É o mundo impulsionado?
  • Dê um passo para trás. O que há de objetivo em sua antecipação? Seus receios e insegurança são baseados em fatos? Uma vez identificado algum elemento objetivo [uma dívida, por exemplo], há como resolver? Uma vez resolvido o problema, é esperado que a ansiedade diminua até desaparecer.

Crie um plano para diminuir a sua exposição ao mundo impulsionado e às outras causas levantadas no passo anterior

Fortalecer a sua autoconfiança e a sua autonomia são providências fundamentais em cenários ansiogênicos.

Além disso, um dos aspectos mais importantes, que está na raiz de muitos processos ansiogênicos, é a nossa percepção negativa acerca dos possíveis cenários futuros. A imaginação e a antecipação frequente de possíveis prejuízos são ansiogênicos no presente. Então, identifique se a sua percepção não está na base da ansiedade que você sente.

Esse tipo de comportamento já é mais complexo e contar com o devido acompanhamento psicológico facilitará a realização das alterações que precisam ser feitas. Muitas vezes não basta apenas “pensar positivo“!

 

3º passo – Pague o preço pelas necessárias mudanças

Esse preço não é o valor por algum tratamento ou orientação.

Se algum comportamento se estabeleceu eu sua vida, isso ocorreu por algum motivo, não importa o quão “maluco” ou até mesmo disruptivo ele pareça….

Então, é esperado que não seja fácil se “livrar” deles. Pensar diferente seria temerário e o primeiro passo para o insucesso. Não se deve desconsiderar as dificuldades que as alterações comportamentais envolvem.

No caso da aceleração social e do mundo impulsionado, esses desafios são maiores ainda, pois estão relacionados à autoestima, à identidade e a imagem de si que as pessoas querem projetar. Todos esses elementos estão entrelaçados com emoções de primeira ordem, e alterar isso não será tarefa fácil.

 

Palavras finais sobre a tecnologia e a ansiedade

Finalmente, é importante destacar que manter uma atitude e perspectiva positivas é fundamental para prosseguir com sucesso no mundo acelerado. Praticar o distanciamento e o diálogo interno na busca de soluções para a sua vida também são caminhos viáveis para lidar com o mundo impulsionado.

Estabeleça metas realistas e se envolver em atividades agradáveis podem ajudar a reduzir a ansiedade e manter uma perspectiva positiva. Isso também vai te ajudar a realizar os testes acima e fortalecer a sua confiança para buscar apoio de outras pessoas, seja família, amigos ou um psicólogo.

No geral, tanto a tecnologia e a ansiedade podem ser difíceis de lidar em um mundo impulsionado. No entanto, encontrando uma forma de realizar as nossas recomendações você inicia o caminho para controlar a ansiedade e levar uma vida plena e naturalmente impulsionada pelos seus sonhos e aspirações.

Boa leitura

Sergio Senna

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Referências

Ekman, P. (2018). Atlas of Emotions.

Kozlova, A. A. (2021). Greed or inspiration: monetizing social issues through advertising campaigns. Язык в сфере профессиональной коммуникации.—Екатеринбург, 2021, 678-683.

Lang, P. J. (2019). The cognitive psychophysiology of emotion: Fear and anxiety. In Anxiety and the anxiety disorders (pp. 131-170). Routledge.

Powers, J. P., & LaBar, K. S. (2019). Regulating emotion through distancing: A taxonomy, neurocognitive model, and supporting meta-analysis. Neuroscience & Biobehavioral Reviews96, 155-173.

Thorisdottir, I. E., Sigurvinsdottir, R., Asgeirsdottir, B. B., Allegrante, J. P., & Sigfusdottir, I. D. (2019). Active and passive social media use and symptoms of anxiety and depressed mood among Icelandic adolescents. Cyberpsychology, Behavior, and Social Networking22(8), 535-542.

Wong, F. H. C., Liu, T., Leung, D. K. Y., Zhang, A. Y., Au, W. S. H., Kwok, W. W., … & Lum, T. Y. S. (2021). Consuming information related to COVID-19 on social media among older adults and its association with anxiety, social trust in information, and COVID-safe behaviors: Cross-sectional telephone survey. Journal of Medical Internet Research23(2), e26570.

Valkenburg, P. M. (2022). Social media use and well-being: What we know and what we need to know. Current opinion in psychology45, 101294.

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