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Como a tecnologia persuasiva afeta a sua vida?

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Falar sobre tecnologia persuasiva não é uma tarefa fácil. Principalmente se o objetivo é mostrar como podemos ser manipulados no dia a dia nos diversos contextos em que nos envolvemos nos ambiente tecnológico.

Para iniciar, devo mencionar que venho tratando sobre psicopatia funcional há uns bons anos. Mas qual seria a relação disso com a tecnologia persuasiva? A ligação entre as duas se faz justamente no seu uso antiético, predatório e inconsequente, orientado pela ganância, que psicopatas funcionais são capazes de fazer.

Então, pelas minhas palavras anteriores, já é possível perceber que a tecnologia persuasiva não é, em si, má. Perversas ou boas podem ser as pessoas que dela fazem uso. Numa sociedade orientada para o egoísmo, para o narcisismo, para a ambição e para ganância, teremos diversos casos do uso dessas técnicas para enganar e manipular as pessoas.

Na literatura científica há o que se chama de psicopata funcional [1][2]. Por que utilizar a palavra funcional? Para expressar a ideia que aquela “personalidade” funciona em determinado contexto, que tem uma função.

Alguns estudos científicos denominam essa condição de “psicopatia subclínica” [3][4]. Apesar de tudo, é uma expressão muito usada na Medicina e na Psicologia.

Não raras vezes, os transtornos mentais possuem graus. Então certo grau de psicopatia [Transtorno de Personalidade Antissocial] pode “capacitar” a pessoa a realizar tarefas antiéticas que outros não conseguiriam.

Em minha opinião, esse é o elemento principal desse tema. Enquanto não houver uma solução para limitar a ganância e ambição dessas pessoas, não haverá regulamentação capaz de impedir que empresas sejam fechadas e abertas com outra marca comercial, pelas mesmas pessoas.

O primeiro contato que tive com esse tema foi lendo o livro do Dr. J.B. Fogg [5], no início dos anos 2000, intitulado Persuasive Technology. Naquela época, a leitura foi mais por curiosidade do que por necessidade, pois o conhecimento não ocupa lugar no espaço….. Então, quando começaram a aparecer os primeiros rumores sobre a utilização das redes sociais como instrumentos de persuasão, lembrei do livro.

Ao escrever esse artigo procurei a página do Dr. Fogg. Ao navegar pelo conteúdo pessoal dele, não me pareceu que ele está tão preocupado hoje sobre as questões éticas relacionadas ao uso da tecnologia persuasiva, mas notei sua atenção à elaboração de treinamentos para mudança comportamental e de atitudes. De qualquer forma, é sempre bom vermos como as pessoas evoluíram ao longo do tempo em seus trabalhos….

Falarei então sobre a tecnologia persuasiva e farei algumas reflexões.

 

O que é tecnologia persuasiva?

No mencionado livro, o Dr. Fogg define tecnologia persuasiva como:

qualquer sistema computacional interativo projetado para mudar as atitudes ou comportamentos das pessoas“.

Essa é uma definição de 2002 e podemos dizer que não é a persuasão que muda o comportamento, mas sim a própria pessoa. Mesmo em um cenário de forte persuasão, é necessário considerar a total capacidade de agência do sujeito e a sua liberdade para escolher. Afinal, como sempre argumentou Viktor Frankl [6], somente um sujeito 100% livre pode ser considerado um sujeito 100% responsável.

Então não é o sistema que vai mudar a pessoa. O que ele faz é apresentar alguns elementos e suprimir outros em um contexto de influência. Além disso, há como mobilizar emoções e utilizar outras técnicas de persuasão já conhecidas. Dependendo das intenções dessa influência, ela pode variar da persuasão até a manipulação.

Esse aspecto é muito importante para contra-argumentar acerca da determinação da persuasão. O fato de uma rede social tentar te manipular, não implica, necessariamente, que você será manipulado e que não há saída.

 

Quais são as vantagens da tecnologia persuasiva em relação à sua modalidade 100% humana?

tecnologia-persuasiva-foggNa sua argumentação, o Dr. Fogg introduz os elementos que, em sua opinião, fazem o uso da tecnologia persuasiva superar um persuasor humano:

  • persistência – os sistemas nunca se cansam, não se deprimem e nem se frustram….
  • anonimato – interagir com um sistema cria a ideia de preservação de privacidade. Afinal, o computador não faz fofoca….
  • os sistemas podem lidar com grandes quantidades de dados e aumentarem a sua capacidade de processamento facilmente.
  • ubiquidade – termo emprestado da teologia – os sistemas estão em quase todos os lugares. Podem estar presentes até em ambientes nos quais determinados grupos não são bem-vindos.

 

Mas a manipulação pelos meios de comunicação não foi tentada antes?

Sim foi, mas o Dr. Fogg, nesse livro, indica uma diferença significativa em relação às tecnologias que precederam à Internet – a interatividade. É a interatividade que permite uma personalização bastante eficaz e a aplicação de técnicas variadas e específicas por aquele sistema que nunca cansa, não se frustra e está sempre alerta.

Além dessa diferença, eu acrescento uma que o autor do livro não levantou – a seletividade. O crescimento da capacidade de armazenar e de processar dados vem permitindo que as respostas à interação sejam cada vez mais seletivas, o que serve de elemento complementar. É como alguém que conhece você muito bem – como, por exemplo, a sua mãe – e te apresenta um contexto persuasivo perfeito! É uma armadilha complexa, mas que tem saídas.

Tudo o que ocorreu antes disso, como o marketing feito pela imprensa, pelo rádio e pela TV não dispunha de elementos de interatividade e de seletividade como os dos sistemas atuais. Essa é uma grande diferença, que aumentará exponencialmente a capacidade de influenciar o processo decisório das pessoas.

Então a tecnologia persuasiva afetará a sua vida. Como sempre, as pessoas utilizarão de todos os meios para fazer você aderir às suas concepções, para consumir mais e para se comportar de determinada maneira. Entretanto, não pense que você não está no controle…..

 

Afinal, somos marionetes ou não?

Essa é uma pergunta difícil de responder. O certo a dizer é que algumas pessoas sempre estarão mais propensas a serem influenciadas do que outras. Conhecemos esse problema no dia a dia, quando um filho ou um amigo começa a andar em más companhias.

Sempre achamos que o resultado não será positivo e que a pessoa não é capaz de resistir. Entretanto, apesar da vida real mostrar que nesses casos algumas pessoas se perdem nas suas decisões, é importante considerar que foram as decisões da pessoa que a mantiveram no mal caminho e não a soberania da má influência.

A realidade também mostra que as pessoas são capazes de perceber e tomar as melhores decisões, ainda que não no melhor momento. Não somos meras marionetes. Os mecanismos psicológicos alvos das principais técnicas são bastante básicos, mas não se pode negar a sua eficiência para produzir certos efeitos comportamentais. Basicamente utilizam condicionamento clássico e condicionamento operante, sempre dependentes do circuito fisiológico da dopamina. Estratégias que já foram estudadas em um tópico chamado conformação social também vêm sendo utilizadas. Quanto a isso não há qualquer novidade. Entretanto, uma vez que o usuário perceba, é possível fazer um contra-controle.

No início da década de 70, Bourdieu e Passeron [7] formularam uma teoria de reprodução cultural que trata da forma como os significados são impostos e difundidos pelos sistemas educacionais, o que, de acordo com eles, mostraria a existência de uma dominação simbólica que reforçaria uma dominação social. Entretanto, a prática não demonstrava que havia uma assimilação cultural passiva e total, mas que resistências ocorriam, mesmo diante de forte aparato persuasivo e de conformação social.

Nesse contexto, teorias de resistência foram formuladas para explicar um conjunto de práticas exercidas pelos grupos subordinados que se expressam sob a forma de oposição, numa tentativa de barrar a dominação, de não perder sua identidade e seus costumes. Um dos grandes nomes nesse assunto é Henry Giroux [8]. Para conhecer mais, veja o artigo Theories of Reproduction and Resistance in the New Sociology of Education.

Fenômeno muito semelhante ao observado pelos teóricos da resistência na educação ocorre no campo da tecnologia persuasiva. Então, concordando com o trabalho de Giroux em relação à resistência, em minha opinião, devemos manter o otimismo e a confiança nos sujeitos como protagonistas de sua própria vida, sabendo que também precisamos ser realistas. Algumas pessoas serão influenciadas independentemente de qualquer medida tomada.

Boa leitura e deixe o seu comentário.

Sergio Senna

 

Referências

[1] Forster, N., & Lund, D. W. (2018). Identifying and dealing with functional psychopathic behavior in higher education. Global Business and Organizational Excellence, 38(1), 22-31.

[2] Smith, C. S. (2021). You don’t have to be a sociopath: Is evil a matter of personality or a condition of society?. TLS. Times Literary Supplement, (6153), 25-27.

[3] Unrau, A. M., & Morry, M. M. (2019). The subclinical psychopath in love: mediating effects of attachment styles. Journal of Social and Personal Relationships, 36(2), 421-449.

[4] Du, Y. Y. L., & Templer, K. J. (2021). The Happy Subclinical Psychopath: The Protective Role of Boldness in Successful Psychopathy. Journal of Happiness Studies, 1-26.

[5] Fogg, B. J. (2002). Persuasive technology: using computers to change what we think and do.

[6] Frankl, V. E. (2013). Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração (Vol. 3). Editora Sinodal.

[7] Passeron, J. C., & Bourdieu, P. (1970). La reproduction. Eléments pour.

[8] Giroux, H. (1983). Theories of reproduction and resistance in the new sociology of education: A critical analysis. Harvard educational review, 53(3), 257-293.

Persuasive technology [em inglês]

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