3 estratégias para aperfeiçoar o diagnóstico da psicopatia

Divulgue e opinie

O diagnostico da psicopatia é um trabalho bastante difícil. O primeiro problema consiste em não haver critérios claros sobre as diferenças entre psicopatia e sociopatia.

No DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) somente existe a expressão Transtorno de Personalidade Antissocial (ASPD em inglês). Psicopatia é um termo do senso comum, apesar de algumas autoridades no tema alertarem para a necessidade da utilização e diferenciação da sociopatia (o que veremos em outro artigo).

Recentemente, começou-se a usar a denominação Transtornos Antissociais (ASD, em inglês). A psicopatia seria um desses transtornos. Entretanto, em meio a essa confusão teórica e conceitual no que diz respeito às diferenças entre a psicopatia e a sociopatia, esqueçamos por um minuto disso e tratemos os termos como sinônimos.

diagnostico-psicopatia-ibrale-linguagem-corporal-450Entre 2001 e 2005, o Instituto Nacional de Saúde norte-americano (NHI) financiou a mais ampla pesquisa já realizada sobre a prevalência de transtornos de personalidade nos Estados Unidos. Entrevistas estruturadas (veja abaixo as desvantagens dessa metodologia) foram feitas com aproximadamente 35.000 pessoas, que foram selecionadas aleatoriamente. Obviamente, foi um trabalho realizado para melhorar as condições de diagnóstico da psicopatia e de outros transtornos mentais.

Esse estudo levantou que 6,2% da população norte-americana, em geral, atenderia aos critérios para Transtorno de Personalidade Narcisista[1] e 3,7% atenderia aos critérios para ASPD (5,5% homens e 1,9% mulheres). [2]

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Entretanto é necessário reforçar o entendimento de que a maioria das pessoas atende a alguns critérios para o diagnóstico de qualquer dessas psicopatologias, por isso pode ser difícil diagnosticar alguém com esse transtorno de personalidade.

Quem nunca conheceu um pescador que se gaba dos seus feitos pesqueiros? No entanto, isso não o torna um psicopata ou um narcisista patológico.

 

Como se parece um psicopata?

Para recordar, vamos listar abaixo as características da psicopatia explicadas em nosso artigo: Características de um psicopata

Para efeitos didáticos e para um melhor entendimento dividimos em quatro grupos de acordo com as explicações do Dr. Robert Hare:

  • Como os psicopatas se apresentam para os outros (dimensão interpessoal);
  • Comportamento afetivo dos psicopatas, inclui o que sentem ou deixam de sentir (dimensão afetiva);
  • Comportamento social – Como vivem em sociedade (dimensão do estilo de vida);
  • Comportamento antissocial dos psicopatas (dimensão antissocial).

A lista de características da psicopatia é a seguinte:

 

Como os psicopatas se apresentam para os outros?

  •  Demonstra excesso de autoconfiança e “charme” superficial. (Os psicopatas exageram na confiança)
  •  Apresenta fala grandiosa acerca de si mesmo. (Psicopatas se enxergam enormes, são exibicionistas verbais)
  •  Conta mentiras frequentemente. (Os psicopatas não se importam com a verdade.)

 

Como é o comportamento afetivo dos psicopatas?

  •  Demonstra irresponsabilidade e “minimiza o dano” quando aparece um problema. (Os psicopatas não gostam de fazer a coisa certa. tomam os atalhos e quando algo de ruim ocorre eles minimizam o problema)
  •  Percebe-se falta de remorso ou culpa no seu comportamento. (Os psicopatas não se sentem mal quando fazem coisas ruins.)
  •  Sente necessidade excessiva de realizar atividades intensas ou possui tendência ao tédio, caso as atividades não ocorram. (Os psicopatas não suportam períodos de marasmo.)

 

Como é o comportamento social dos psicopatas?

  •  É excessivamente impulsivo. (Os psicopatas são muito, muito impulsivos.)
  •  Engana ou manipula os outros com frequência. (Os psicopatas normalmente acreditam que podem manipular qualquer pessoa ao seu redor)
  •  Mostra dificuldade em tornar-se emocionalmente íntimo. (Os psicopatas têm problemas para demonstrar emoções genuínas, o que acaba sendo evidenciado em relacionamentos mais longos e íntimos)
  •  É pego em situações nas quais mostra insensibilidade ou falta de empatia. (Os psicopatas simplesmente não se importam com as emoções das outras pessoas.)
  •  Percebe-se que pode “parasitar” outras pessoas com relativa facilidade. (Os psicopatas preferem não trabalhar para viver. Eles acham que é mais fácil tirar coisas de outras pessoas ou viver às custas delas.)
  •  Possui histórico de comportamento sexual promíscuo. (Psicopatas gostam de de “circular” entre as pessoas)
  •  Demonstra dificuldade de manter relacionamentos de longo prazo. (Os psicopatas têm dificuldades em se comprometerem no longo prazo, e quando o fazem, o relacionamento é abusivo)
  •  Possui a tendência de ter metas apenas no curto prazo. (Os psicopatas preferem esquemas malucos [do tipo Ponzi, por exemplo] em vez de objetivos de vida ou carreira.)
  •  Demonstra dificuldade em assumir a responsabilidade por suas próprias ações. (Para um psicopata, a culpa é sempre de outra pessoa)

 

Como é o comportamento antissocial?

  •  Possui histórico de problemas comportamentais precoces em relação à crueldade. (Quando crianças, os psicopatas costumam ter uma história de crueldade com os outros, começando com os animais)
  •  Possui dificuldade em controlar comportamentos socialmente inadequados.  (Os psicopatas têm dificuldade em cumprir as normas sociais)
  •  Pode possui histórico de delinquência juvenil. (Os psicopatas começam ainda jovens)
  •  Apresenta tendência a “adaptar” as regras a seu favor, de forma bem versátil. (Os psicopatas diferem dos criminosos normais porque eles realmente não se importam com o tipo de lei que violam – eles violam qualquer uma delas, nas circunstâncias que mais lhes favoreçam)

 

Métodos para diagnóstico da psicopatia ou sociopatia e como aperfeiçoa-lo?

São os mesmos. É realizado um checklist (ou “inventário”) de comportamentos que estatisticamente foram associados a esses transtornos mentais. Nem precisa comentar que, apesar de ser o método mais conhecido existente, dá para tecer um rol de críticas quanto à utilização dessas técnicas para o diagnóstico da psicopatia, o que não é o meu propósito aqui. Ficar apenas criticando sem apresentar algo melhor não é uma boa prática.

Na minha experiência, o que mais diferencia um psicopata é a sua falta de empatia, que pode ser referenciada durante a sua vida pela crueldade com que trata os seres vivos, primeiramente animais e plantas e depois as pessoas.

Essa crueldade pode se apresentar como de “baixa intensidade“. Não pense que a maior parte dos psicopatas está por aí matando pessoas. Eles estão bem ao nosso lado, infernizando as nossas vidas. Pode ser um chefe, um cônjuge, um familiar, amigo etc…

Então, é possível “aguentar” uma pessoas dessas durante anos….

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Um teste bem conhecido para o diagnóstico de psicopatas é o “The Hare Psychopathy Checklist“, em Língua Portuguesa é comercializado para psicólogos como PCL-R e contém perguntas que analisa como você vê a si mesmo e as outras pessoas.

Essa metodologia procura analisar o julgamento moral das pessoas e, a partir daí, inferir sobre a existência do transtorno mental para o diagnóstico da psicopatia.

O mesmo tipo de estratégia foi utilizada em um estudo de 2011, publicado na revista Cognition. Os pesquisadores investigaram a forma com que as pessoas responderiam dilemas morais como:

“Um bonde desgovernado está prestes a atropelar e matar cinco pessoas e você está parado em uma passarela ao lado de um estranho; seu corpo é muito leve para parar o trem, mas se você empurrar o estranho para os trilhos, matando-o, você vai salvar as cinco pessoas. Você empurraria o homem? “

A equipe descobriu que aqueles que responderam aos dilemas com uma “ética do utilitarismo” – a visão que diz que a ação moralmente correta é aquela que produz a melhor consequência geral – possuíam traços de personalidade mais psicopáticos e maquiavélicos.

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Na pergunta acima, se você escolher empurrar o homem, terá mais em comum com as pessoas que tinham traços psicopatas ou maquiavélicos.

Por esse exemplo, podemos ter uma ideia de como nossos métodos diagnósticos são ainda bem primitivos. Aos testes de dilemas morais ou inventários de comportamentos, devemos acrescentar a observação do comportamento, a entrevista com pessoas conhecidas do avaliando e o levantamento de sua história de vida. Essa complementação é bem trabalhosa, mas essencial para um diagnóstico.

A deficiência da abordagem do julgamento moral está em falhar na distinção entre uma escolha utilitária consciente (sacrificio de cinco vidas ou uma?) ou se a pessoa decide isso porque não se importa com as vidas.

Para o psicopata não faz a menor diferença. Ele vai entregar o que entender ser “a resposta certa“. Simplesmente fazer uma relação direta entre “maquiavelismo” e psicopatia apresentará muitos falsos positivos.

Além disso, sempre vai ter alguém querendo ganhar dinheiro ensinando como responder um teste psicológico (veja a capa ao lado). Porque fazem isso? Simplesmente por que não se importam. Talvez sejam psicopatas psicólogos ou professores….

Então há que:

  • Dar o peso adequado à autonarrativa que ocorre no levantamento de comportamentos e julgamentos morais;
  • Aumentar o peso das entrevistas com familiares e conhecidos;
  • Aumentar o peso do levantamento a ser realizado em meio às redes sociais, produção escrita e pictórica do sujeito, narrativas dos colegas de trabalho etc.

 

Dilemas morais, charadas e o diagnóstico da psicopatia

Recentemente um colega de trabalho propôs um enigma, que posteriormente descobri que é bem conhecido e bastante divulgado na Internet.

A charada é o seguinte:

Uma jovem, durante o funeral de sua própria mãe, encontra um homem totalmente desconhecido. Começam a conversar e ela o acha incrível e passa a acreditar que será o amor de sua vida. Em algum momento, ele sai para ir ao banheiro e não retorna mais ao recinto. Ela, então, percebe que não havia pedido o seu número telefônico e não conseguirá entrar em contato. Poucos dias depois, a jovem matou sua própria irmã. Por que ela fez isso?

Supostamente, ao descobrir o motivo, você pensa como um psicopata. Esta é a resposta:

Se ela matar a irmã, tem a chance de reencontrar o homem, porque acredita que ele comparecerá ao funeral.

Ser capaz de pensar como um psicopata não significa agir como um. Depois de alguns anos de experiência você aprende a encontrar certos padrões e pode seguir a lógica sem que isso afete o seu comportamento.

Entretanto, para um psicopata não faria diferença emocional “matar” (ou infernizar) a mãe, o irmão, o pai, ou qualquer outra pessoa. Simplesmente não faz a mínima diferença.

Encontrar a resposta para o dilema do funeral requer um certo nível de pensamento crítico. Chegar a ela, pode significar apenas que você é bom em resolver problemas. Afinal, só porque você encontrou a resposta correta, não significa que você realmente faria isso. Entretanto, se responder dessa forma te trouxe um bem-estar…. aí é outra questão….

Os psicopatas estão ao nosso redor e geralmente não são identificados pelas pessoas. O que os diferencia não é a resposta a uma única pergunta, mas mais a sua real falta de remorso e empatia no dia a dia, o que pode ser atestado pelas pessoas que com ele convivem ou conviveram durante a vida.

Então, a forma mais trabalhosa, porém mais acertada de realizar o diagnóstico da psicopatia é por meio do levantamento das ações das pessoas, o que pode ser feito por meio de entrevistas com seus familiares e conhecidos. É desnecessário enfatizar o quanto isso demanda tempo….

No final das contas, se você empurrou o cara para os trilhos do trem ou descobriu por que a pobre irmã da garota precisava morrer, isso não significa que você é um psicopata.

Se você acha interessante saber como as crenças e valores passam a orientar o nosso comportamento, veja o meu artigo: Crenças e Valores. Como isso funciona?

Pode também conhecer a minha abordagem teórico-filosófica, usada em tudo o que escrevo: Que perspectiva de ser humano embasa nossos artigos? 

Veja a página do Dr. Haré  (em inglês)

Boa leitura

Sergio Senna

 

Referências

Grant, B. F., D. S. Hasin, F. S. Stinson, D. A. Dawson, S. P. Chou, W. J. Ruan, and R. P. Pickering. 2004. Prevalence, correlates, and disability of personality disorders in the United States: Results from the National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions. Journal of Clinical Psychiatry 65 (7):948–58, 952

Pires, Sergio Fernandes Senna. (2022). Aptos para serem antiéticos: a psicopatia funcional nas organizações. Revista Contemporânea2(4), 106–121. https://doi.org/10.56083/RCV2N4-007

Stinson, F. S., D. A. Dawson, R. B. Goldstein, S. P. Chou, B. Huang, S. M. Smith, W. J. Ruan, A. J. Pulay, T. D. Saha, R. P. Pickering, and B. F. Grant. 2008. Prevalence, correlates, disability, and comorbidity of DSM-IV narcissistic personality disorder: Results from the Wave 2 National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions. Journal of Clinical Psychiatry 69 (7):1033–45, 1036.

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