Dinâmicas da complexidade: a recursividade das emoções no comportamento

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Artigo da comunicação a ser proferida no IV Simpósio Internacional em Comportamento Não Verbal – 7/12/23 – 14:30 hs

Dr. Sergio Fernandes Senna Pires

Câmara dos Deputados – Consultoria Legislativa

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Resumo: Neste artigo, abordamos a complexidade dos sistemas humanos sob a perspectiva da Teoria da Complexidade de Edgar Morin. O objetivo principal é analisar a inter-relação entre complexidade, emoções e previsibilidade do comportamento. Destacamos a importância da abordagem integral e transdisciplinar proposta por Morin para compreender sistemas adaptativos, explorando o papel recursivo das emoções sobre si mesmas e sobre outros processos intrapsicológicos, o que introduz limitações para a previsibilidade das ações humanas. Destacamos a relevância da comunicação não-verbal no estudo da expressão emocional, vinculando o funcionamento do Sistema Nervoso Autônomo aos indicadores não-verbais das decisões humanas. Ressaltamos os desafios na previsão do comportamento humano em cenários complexos, enfatizando a dificuldade de estabelecer relações causais objetivas devido à multifinalidade, à equifinalidade e à interconexão de relações. A partir dos princípios da Teoria da Complexidade e da Teoria Geral dos Sistemas Abertos sugerimos que os sistemas comportamentais têm a capacidade de se ajustar, reconfigurar e evoluir diante de mudanças, tornando a previsão de comportamentos futuros uma tarefa formidável, em cenários complexos. A incerteza é reconhecida como parte integrante da previsibilidade do comportamento humano, desafiando abordagens determinísticas e incentivando a busca por métodos mais integrais e adaptáveis. Concluímos que, apesar dos avanços, questões importantes permanecem em aberto, como a variabilidade individual das respostas emocionais, a influência de variáveis culturais e a exploração das dinâmicas temporais das emoções. A compreensão desses elementos contribui para uma análise mais aprimorada dos padrões comportamentais, destacando a importância de estratégias que reconheçam a complexidade inerente ao comportamento humano.

 

Sobre o autor

Sergio Fernandes Senna Pires é servidor público há 42 anos e Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados desde 2003. Doutorou-se em Psicologia pela Universidade de Brasília, onde foi pesquisador colaborador. É membro da International Parliament Engagement Network e da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional. Pesquisador do Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional, realiza estudos sobre o enfrentamento à violência; a promoção da paz; o protagonismo infantojuvenil; e a regulação do comportamento humano pelas crenças, pelos valores e pelas emoções. Psicólogo, possui graduação, mestrado e pós-graduações na área de Defesa Nacional e diversas pós-graduações em Psicologia e Educação.

 

EXPLORANDO AS DINÂMICAS DA COMPLEXIDADE: UMA ANÁLISE DAS INTERCONEXÕES ENTRE EMOÇÕES A COMUNICAÇÃO NÃO-VERBAL E A PREDIÇÃO DO COMPORTAMENTO

 

1.  Introdução: evidenciando conexões intrincadas

Na tessitura da existência humana, em coletividade, uma constante se destaca: a complexidade. Este fenômeno, intensamente presente nos sistemas dos seres vivos, torna-se objeto de análise por meio da Teoria da Complexidade proposta por Edgar Morin. Ao difundir a ideia de que compreender a complexidade exige uma visão integral e transdisciplinar, Morin nos desafia a transcender os princípios de certas abordagens e a explorar as indissociáveis conexões entre os diversos participantes de um sistema.

Nesse contexto, nossa argumentação tem por objetivo apresentar a complexidade dos sistemas humanos, destacando uma tríade de elementos inter-relacionados: complexidade, emoções e previsibilidade do comportamento. Ao adentrarmos esse multifacetado universo, buscamos apontar como a Teoria da Complexidade pode auxiliar na compreensão dos sistemas adaptativos dos quais fazemos parte, em particular, explorando o papel das emoções e as limitações para a previsibilidade de nossas ações.

No estudo das emoções, a comunicação não-verbal, como forma de expressão e as metodologias para o seu estudo, tem sido fundamental para prover inteligibilidade acerca de partes encobertas dos fenômenos emocionais (PIRES, 2023e). A estreita relação entre o funcionamento do Sistema Nervoso Autônomo e as expressões não-verbais vem sendo estudada há tempos e nos fornece pistas sobre aspectos relevantes acerca das influências emocionais nas decisões humanas. Então, não há como deixar de considerar a extrema relevância da comunicação não-verbal para o avanço dos estudos científicos sobre as emoções, em cenários complexos.

Ao longo deste percurso, então, examinaremos a influência das emoções como elementos de nossas decisões. Paralelamente, enfrentamos os desafios inerentes à previsão do comportamento humano em cenários complexos, indicando as fronteiras da certeza, em um mundo dinâmico. Ao final, pontuamos os desafios e as futuras direções de pesquisa que se delineiam nesse campo.

 

2.  Para que serve a predição do comportamento?

A predição do comportamento humano surge como uma necessidade em diversos contextos. Existem várias razões pelas quais a antecipação do comportamento humano é útil, destacando-se a capacidade de prever ações, reações e escolhas e de compreender o processo decisório. Nesse contexto, a observação do comportamento não-verbal desempenha um papel crucial, proporcionando uma camada adicional de informação para a compreensão, das primeiras emoções experimentadas pelas pessoas e suas possíveis influências nas decisões imediatamente futuras.

A construção de cenários com base em indicadores preditivos pode oferecer percepções para construção da organização social e política humana, para a educação e para o desenvolvimento pessoal. Então, algumas de suas utilidades são: (1) a tomada de decisão estratégica; (2) a gestão de riscos; (3) a melhoria na comunicação; (4) a personalização de experiências; (5) a ampliação da compreensão do contexto social (BOSNJAK; AJZEN; SCHMIDT, 2020); e (6) a elaboração de estratégias de promoção da convivência cidadã (PIRES, 2023a).

Antecipar o comportamento humano permite a formulação de estratégias mais eficazes em diversos campos, como negócios, política e relações interpessoais. Compreender como as pessoas provavelmente reagirão em determinadas situações oferece uma vantagem estratégica ao planejar ações e decisões.

Além disso, a previsão do comportamento é fundamental na gestão de riscos, ajudando a identificar possíveis desafios e evitar consequências indesejadas. Isso é especialmente relevante em setores como finanças, segurança pública e saúde, em que a capacidade de antecipar comportamentos pode mitigar ameaças e minimizar danos (AIRES, 2022).

A melhoria na comunicação influi de forma geral na compreensão das nuances do comportamento humano, incluindo a linguagem corporal e as expressões faciais, o que reflete, recursivamente, nos processos emocionais e nos próprios processos comunicativos. Ao antecipar as reações das pessoas, é possível ajustar a mensagem de maneira a garantir uma compreensão mais clara e diminuir a probabilidade de mal-entendidos, o que diminui a probabilidade de respostas agressivas.

Ademais, em setores como marketing e design de produtos, a capacidade de prever as preferências e reações dos consumidores é crucial. Isso permite a personalização de experiências, produtos e serviços, aumentando a satisfação do cliente.

De forma geral e com inúmeras aplicações, o entendimento do contexto social, também, nos permite levantar os elementos significativos das relações que influenciam os comportamentos. Nesse sentido, antecipar o comportamento em contextos sociais contribui para um entendimento mais profundo das dinâmicas grupais. Isso é particularmente útil em ambientes de trabalho, eventos sociais e outras situações em que a interação social desempenha um papel significativo.

É, portanto, a estreita relação entre o comportamento não-verbal e os estados emocionais que nos abre a porta para a compreensão das influências emocionais na percepção e na apreensão das primeiras respostas emocionais dos sujeitos aos eventos ocorridos. Muitas vezes, as pistas não-verbais revelam estados emocionais, intenções e níveis de conforto que podem não ser expressos verbalmente. Integrar essa observação proporciona uma compreensão mais precisa, enriquecendo a capacidade de antecipar o comportamento humano, de maneira mais abrangente, o que veremos a seguir.

 

3. Pensamento complexo: uma visão integrada para a compreensão da realidade

Na década de 70, o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin propôs uma abordagem revolucionária para compreender sistemas complexos (MORIN, 2005, 2015). Seus conceitos-chave estabelecem as bases para uma visão integrada da realidade, desafiando a fragmentação nas abordagens teórico-práticas. A Teoria da Complexidade questiona, portanto, a crença de que cenários complexos podem ser compreendidos ao serem transformados em partes mais simples, analisados separadamente e sintetizados ao final.

Um conceito central na obra de Morin é o Pensamento Complexo, que consiste em uma postura sistêmica diante da complexidade do mundo. Essa abordagem transcende fronteiras disciplinares ao valorizar a compreensão das interconexões e interdependências como elementos centrais. Ao contrário do pensamento simplificador, que fragmenta a realidade, o Pensamento Complexo orienta para a compreensão da totalidade, considerando as relações dinâmicas e indissociáveis entre elementos. Isso não é apenas uma metodologia, mas uma maneira de pensar e uma nova atitude diante da construção do conhecimento.

Nesse contexto, Morin, assim como outros pensadores que o precederam, propõe uma mudança de paradigma epistemológico, estimulando a criatividade ao analisar sistemas como um todo integrado, reconhecendo a imbricação entre elementos aparentemente distintos. Ao adotarmos essa postura, somos orientados a compreender as interconexões cruciais e a tentar superar a fragmentação promovida por linguagens e categorizações, como formas de comunicar e de compreender os fenômenos (MORIN, 2015).

É necessário esclarecer que a busca por uma abordagem integral não implica na impossibilidade de dividir as questões em partes, pois a linguagem, como organizadora e expressão do pensamento (VYGOTSKY, 1989), é categorial. Utilizamos palavras e termos específicos para representar conceitos distintos, criando uma estrutura linguística que reflete a fragmentação categorial do pensamento. Assim, a compreensão do mundo e a comunicação dependem da capacidade de categorizar, segmentar e operar semioticamente.

Ao reconhecer a natureza categorial do pensamento e da linguagem, afirmamos a necessidade de realizar análises detalhadas e específicas em determinados aspectos. Não obstante, enfatizamos a importância de não isolar as partes dos seus contextos mais amplos, reconhecendo a recursividade das interações nos sistemas (MORIN, 2015). A compreensão verdadeiramente abrangente emerge da integração consciente e contextualizada das diferentes partes. Tal compreensão é conhecida como separação inclusiva (PIRES, 2023b).

Alegoricamente, podemos entender as indissociáveis relações entre o indivíduos e o social a partir do conceito gestáltico de figura e fundo (MACHADO, 2019). Esse princípio sugere que o sistema nervoso organiza os estímulos em duas partes distintas: a figura, que é a parte principal ou objeto central de atenção, e o fundo, que representa o contexto ou área circundante. A figura é o que se destaca e atrai nossa atenção imediata, enquanto o fundo é a parte que, a despeito de não ser o principal, influencia, decisivamente, para a interpretação da figura.

Considerar o indivíduo e o social, nessa díade, implica em destacar a importância da relação entre elementos e como a atenção deve alternar entre esses polos, contribuindo para uma compreensão integral e indissociável do ecossistema cultural. Esse propósito é atingido quando se busca integrar essas partes, evitando a omissão de elementos relevantes e reconhecendo suas indissociáveis inter-relações. Em vez de isolar variáveis, busca-se compreender como elas estão interconectadas e como contribuem, recursivamente, para a totalidade do fenômeno em análise.

Essa forma de construir nossa compreensão do mundo considera como a cultura coletiva exerce um poder de orientação central sobre os indivíduos sem que sejamos por ela anulados (PIRES, 2023b). Vejamos um exemplo conhecido. Como elemento cultural coletivo, consideremos, a orientação sexual ao longo da história. Em muitas épocas, a diversidade de orientações sexuais divergentes da norma social foi, sistematicamente, punida. No entanto, a resistência, por parte dos indivíduos, nunca deixou de existir. Apesar das repressões sociais, a autonomia individual permitiu que muitos rejeitassem as normas culturais impostas e seguissem suas próprias identidades e desejos (FERREIRA, 2020).

No contexto de papéis de gênero, as expectativas culturais, não raras vezes, ditam como as pessoas devem se comportar. No entanto, cada um é capaz de construir sua compreensão individual e autônoma desses papéis, momento em que as emoções exercem um papel fundamental, ao motivarem os sujeitos a desafiar, se conformar ou reconstruir as orientações culturais. A autonomia, nesse caso, se manifesta na capacidade de questionar e redefinir esses padrões de acordo com experiências pessoais e convicções.

Essa dinâmica, em nível individual, exemplifica a imprevisibilidade existente no sistema cultural. Embora a cultura coletiva exerça uma influência significativa, a autonomia individual permite variações e resistências às normas estabelecidas (PIRES, 2023c). A história mostra que, mesmo diante de punições sociais severas, indivíduos têm desafiado as orientações culturais, promovendo mudanças ao longo do tempo e contribuindo para a evolução cultural. Essa capacidade de reconstrução autônoma destaca a complexidade do sistema cultural e simbólico humano, que pode orientar, mas não prever todas as decisões e caminhos individuais.

Nessa direção, existem diversas abordagens teóricas, em Psicologia, que se originaram desses e outros pressupostos igualmente integrativos. Valem-se da transdisciplinaridade, enxergam-se incompletas e em permanente evolução. Esses referenciais são aptos para oferecerem inteligibilidade e enquadramentos teóricos para a compreensão de fenômenos complexos e evoluem no sentido de desenvolverem instrumentos de pesquisa adequados a essa realidade (WATZLAWIK; SALDEN, 2022). Genericamente são conhecidos como pertencentes a uma família de abordagens histórico-culturais, entre as quais se destaca a Psicologia Cultural (PIRES, 2023b).

 

4.  Todos os ambientes são cenários complexos?

Obviamente, nem todos os cenários são complexos ou necessitam de abordagens complexas para o seu estudo. Entretanto, em termos de fenômenos humanos, vivemos em um ecossistema cultural intrincado (PIRES, 2023b). Entender esse cenário é mais do que uma vantagem; é uma necessidade no contexto tecnológico atual, regido pela velocidade digital (ROSA, 2020) e em constante transformação.

A complexidade do comportamento humano é, portanto, comparável aos sistemas de forças da natureza que não controlamos, mas podemos compreender, coexistir, realizar algumas intervenções e, até certo ponto, prevê-las e aproveitá-las. Assim como um meteorologista observa os padrões climáticos dinâmicos para prever tempestades, podemos observar padrões nas interações humanas e nos ecossistemas culturais. Assim como não controlamos tempestades ou as descargas elétricas, em cenários complexos, a observação do comportamento humano não deve ser um passo na tentativa de controle, mas sim da compreensão, da reorientação e da adaptação às realidades (PIRES; BRANCO, 2023).

Assim, ao aplicarmos os princípios da Teoria da Complexidade à compreensão do comportamento humano, concluímos que não há uma única abordagem que sirva para todos os cenários (MORIN, 2015). Existem, na verdade, diferentes tipos de cenários: desde os simples e conhecidos, passando pelos complicados que exigem análise detalhada, até os complexos, nas quais a interconexão de variáveis torna a previsão desafiadora. Há também os cenários caóticos, nos quais as relações causais são tão voláteis que a previsão é praticamente impossível (DOS SANTOS, 2023).

A despeito das limitações anteriormente mencionadas, a Teoria da Complexidade fornece uma aproximação valiosa para estabelecermos as distinções entre esses cenários. Em situações simples, podemos aplicar regras conhecidas e estabelecidas. Nos cenários complicados, a análise aprofundada é necessária, mas as soluções ainda são discerníveis. No entanto, nos cenários complexos, a incerteza e a dinâmica fluida exigem abordagens mais flexíveis e adaptativas (VAN DER MERWE et al., 2019; SNOWDEN, 2021).

Nossa argumentação central, então, parte da ideia de que é necessário reconhecer que nem todos os cenários são complexos e prescindem do Pensamento Complexo para a sua compreensão. Algumas questões podem ser tratadas com métodos tradicionais, enquanto outras exigem uma aproximação mais profunda da dinâmica interconectada, como é o caso da violência ou do uso de substâncias psicoativas, por exemplo. Nessa direção, ao invés de tentar impor uma única abordagem a todos os casos, a Teoria da Complexidade nos instiga a observar, adaptar e responder de acordo com as características únicas de cada cenário (MORIN, 2015).

 

5.  Conceitos-chave da Teoria Complexidade de Edgar Morin

Na busca por uma compreensão mais profunda dos sistemas complexos, o Princípio da Incerteza, conforme proposto por Morin (2015), desafia a concepção tradicional de que o conhecimento completo e absoluto é alcançável. Esse princípio sugere que a busca por certezas absolutas, não raras vezes, resulta em compreensões superficiais. Em sistemas complexos, a interdependência de variáveis, a multiplicidade de influências, a recursividade e a imprevisibilidade são elementos inseparáveis e devem ser considerados fontes de novas relações, ao longo do tempo.

É importante destacar que existem contradições que criam as próprias tensões que estão na raiz da introdução das incertezas no comportamento. Mencionamos, por exemplo, a forte estruturação ambiental e simbólica revelada pelas Teorias de Violência Simbólica e de Reprodução (BOURDIEU, 1989; ALTHUSSER, 2007; PIRES, 2023b). Para elucidar essa tese, basta observar que a forte estruturação estabelece a força necessária ao desenvolvimento da resistência, que pode ser aparentemente manifestada como conformação até o momento que os sujeitos percebam a oportunidade para a divergência, e passem à tentativa de transformação cultural, conforme previsto nas Teorias de Resistência (GIROUX, 1983, 2001; PIRES, 2023d).

A partir do contexto teórico de nosso interesse, o Princípio da Interdisciplinaridade representa uma abordagem que transcende as fronteiras disciplinares convencionais. Esta interdisciplinaridade vai além da coexistência de diferentes campos de estudo; ela busca uma integração genuína, reconhecendo a necessidade de uma compreensão integral para abordar a complexidade inerente a certos sistemas, sejam eles naturais ou sociais. Modernamente, essa mesma ideia recebeu o nome de transdisciplinaridade (ZWIEREWICZ, 2020), nomenclatura que utilizaremos a partir desse ponto.

Uma abordagem integradora não apenas amplia a visão sobre os problemas complexos, mas também desafia a rigidez na fragmentação e na determinação das fronteiras entre as disciplinas acadêmicas, abrindo espaço para uma síntese que respeita a diversidade de métodos e perspectivas. Ao indicar a transdisciplinaridade, Morin propõe um caminho para romper com a compartimentalização do conhecimento, criando uma sinergia que potencializa a compreensão de sistemas complexos e sua interação dinâmica.

Outro aspecto de extrema relevância vem da relação entre complexidade e os sistemas adaptativos, a partir do que destacamos sua conexão significativa com a Teoria Geral dos Sistemas Abertos (TGSA), concebida por Ludwig von Bertalanffy. Essa teoria oferece um arcabouço teórico robusto para entender a interconexão e adaptabilidade dos sistemas (DE ARAUJO, 2020). A TGSA propõe que os sistemas, sejam biológicos, sociais ou organizacionais, são abertos e que trocam energia, matéria e informação com tudo ao seu redor. Ao articular essa teoria com a complexidade, sugerimos que os sistemas adaptativos são, por definição, complexos, pois estão constantemente interagindo e se adaptando às mudanças que ocorrem em um ciclo contínuo.

Nessa direção, a TGSA introduziu os conceitos de multifinalidade e equifinalidade, para enfatizar a natureza complexa e adaptativa dos sistemas abertos. A multifinalidade refere-se à capacidade de um sistema alcançar diferentes estados finais, ainda que partindo de uma condição inicial semelhante. Por sua vez, a equifinalidade sugere que diferentes condições iniciais podem conduzir a resultados finais semelhantes.

Ao aplicar esses princípios à complexidade do comportamento humano, podemos observar como as experiências de vida, influências ambientais e características individuais promovem uma variedade de trajetórias que os indivíduos podem seguir (PIRES, 2023a). Por exemplo, quando duas pessoas enfrentam desafios semelhantes, podem desenvolver estratégias de enfrentamento completamente diferentes devido à multifinalidade. Da mesma forma, indivíduos com históricos de vida distintos podem manifestar comportamentos semelhantes, demonstrando a equifinalidade.

Esses conceitos da TGSA ilustram como a complexidade do comportamento humano não pode ser simplificada em uma fórmula única, pois é influenciada por uma interconexão intrincada de variáveis que, além de tudo, agem recursivamente sobre si mesmas. A compreensão dos possíveis efeitos da multifinalidade e equifinalidade proporciona uma abordagem mais abrangente, reconhecendo que a adaptação humana é multifacetada, diversificada e associada a diversas influências. Essa postura epistemológica é essencial para explorar a complexidade do comportamento humano dentro do contexto mais amplo dos sistemas adaptativos, contribuindo para evidenciar a inter-relação entre a TGSA e a Teoria da Complexidade de Morin.

 

6.  Além do convencional: princípios da complexidade, na prática

Existem três princípios orientadores da Teoria da Complexidade que nos interessam diretamente na compreensão das emoções como elemento relacional que introduz complexidade nas decisões e no comportamento: (1) a drástica redução da capacidade de previsão do comportamento, em ambientes complexos; (2) a inexistência de uma única maneira correta de agir; e (3) a incapacidade de retroceder ou avançar no tempo em sistemas complexos (MORIN, 2015).

No que diz respeito à redução da capacidade de prever o comportamento, em ambientes complexos, podemos argumentar que, no comportamento humano, os resultados não podem ser previstos devido à dinâmica de interconexão de processos psicológicos e sociais. Cada aspecto influencia e é influenciado pelos outros, gerando uma constante coconstrição. Essa coevolução resulta em comportamentos em constante modificação, sem repetição necessariamente previsível (DE AZEVEDO ALMEIDA; GOMES, 2019). Entretanto, como anteriormente explicado, nem todos os cenários são complexos, o que mantém a razoável capacidade preditiva, em alguns deles.

Imaginemos, por exemplo, uma eleição presidencial no Brasil. Em um ambiente político complexo, eventos imprevistos, como um atentado com arma branca malsucedido, podem influir na mudança de opinião do eleitorado e na forma como as dinâmicas sociais interagem de maneira única, aumentando as chances de um candidato, até então inexpressivo, sair vitorioso na eleição. A imprevisibilidade surge porque não é possível antecipar, com razoável certeza, como esses fatores imprevistos e pontuais influenciarão, decisivamente, o resultado da eleição.

Em relação à inexistência de uma única maneira correta de agir, em ambientes complexos, optar por uma única hipótese de ação limita o potencial evolutivo inerente às várias abordagens alternativas. Uma abordagem com múltiplas hipóteses leva a práticas emergentes e inovações revolucionárias.

Sob esse ponto de vista, mais importante do que controlar as variáveis e tentar apresentar estratégias específicas de enfrentamento para cada modalidade ou tipo de violência, por exemplo, é focar na capacidade adaptativa, criativa, recursiva e desenvolvimental dos sujeitos. Isso significa oferecer atividades que mobilizem as emoções e, consequentemente, (re)orientar organizações de sentidos e mudança das decisões e dos comportamentos.

Consideremos, também, um caso judicial no Brasil. Em vez de adotar uma única estratégia legal, reconhecer a inexistência de uma abordagem única permite aos advogados explorar métodos diversos, como mediação ou negociação, para alcançar soluções adaptáveis e inovadoras para os seus clientes.

No tocante à incapacidade de retroceder ou avançar no tempo, uma vez que padrões se formaram, é necessário trabalhar a partir desse ponto. É o caso, por exemplo, da remoção de populações historicamente estabelecidas em um determinado território. Não há como retroagir no tempo para a solução de problemas territoriais. Tal remoção causará novos problemas para as populações a serem movimentadas.

Pensemos, por exemplo, nas políticas econômicas do Brasil nos últimos 40 anos. Uma vez que foram implementadas e padrões econômicos se estabeleceram, não é possível retroceder no tempo para reformular decisões passadas. A abordagem mais adequada é avançar a partir do presente, considerando os desafios econômicos atuais a serem enfrentados.

Esses princípios orientadores oferecem, portanto, uma base conceitual para abordar a complexidade do comportamento humano, fornecendo percepções valiosas para profissionais que precisam operar em ambientes dinâmicos e imprevisíveis. Ao compreender esses princípios, podemos adotar soluções mais adaptáveis e inovadoras em nossas práticas, reconhecendo a natureza intrincada e em constante evolução dos sistemas complexos.

 

7.   As emoções na rede de influências recursivas

Um dos grandes desafios que se nos apresenta é a compreensão da rede de relações, influências e ações recursivas que as emoções humanas estabelecem com os demais processos biopsicológicos. Nesse contexto, a compreensão das emoções é um terreno desafiador e intrincado e, geralmente, caracterizado por incertezas e lacunas em nosso conhecimento.

As teorias existentes sobre emoções, embora forneçam perspectivas valiosas, ainda não permitem a compreensão da sua integralidade e da gama de relações que estabelecem com outros processos psicológicos.

Sob esse ponto de vista, não podemos deixar de considerar que a elaboração das teorias sobre emoções, alicerçadas nas respostas emocionais, se baseiam em nossa (in)capacidade metodológica de ter acesso à parte encoberta do fenômeno emocional. Não obstante, as relações entre as emoções, as decisões e outros processos psicológicos não deixam de existir, e de fazer diferença ou importar, pelo fato de que não temos acesso pelos métodos científicos atuais.

Ao explorarmos as principais respostas emocionais apresentadas por Barrett e Westlin (2021): (1) ativação fisiológica; (2) experiência subjetiva; e (3) tendência comportamental, podemos levantar relações entre elas e os princípios fundamentais da teoria da complexidade, anteriormente apresentados.

A ativação fisiológica, por exemplo, destaca as mudanças em nossa fisiologia associadas às emoções. Nesse sentido, a interconexão de variáveis fisiológicas e a multiplicidade de influências que contribuem para essas alterações refletem a natureza complexa dos processos emocionais. Além disso, a ativação fisiológica cria um ciclo de feedback de sensações positivas ou negativas que as pessoas podem interpretar de múltiplas formas. Sob o ponto de vista cultural, o poder regulador das sensações fisiológicas sobre os processos de significação não deve ser diminuído, a despeito da resistência que determinado indivíduo possa desenvolver aos apelos fisiológicos em aumentar ou diminuir a probabilidade da ocorrência de comportamentos. Não raras vezes, observa-se a predominância de processos biopsicológicos básicos sobre os conhecidos como superiores (PIRES, 2023b).

A experiência subjetiva, por sua vez, ilustra a interpretação individual das emoções, adicionando mais uma camada de complexidade. A capacidade de atribuir significado e ressignificar emoções ao longo do tempo destaca a dinâmica adaptativa inerente aos sistemas complexos e da sua irreversibilidade na linha do tempo. Assim, a própria compreensão de um fenômeno complexo é um processo em constante evolução, direcionado ao futuro, no interior do qual as experiências subjetivas das emoções também podem evoluir, orientadas por novas percepções. Além disso, essas experiências emocionais ressignificadas promovem outras influências ao participarem em novos ciclos do processo decisório.

Acompanhando esse processo, a expressão comportamental e a tendência de ação, ao vincularem as emoções ao comportamento motor e à motivação, alinham-se com a ideia de que sistemas complexos, incluindo as interações humanas, são orientadas por múltiplos fatores. Em ambientes dinâmicos e não estruturados, a variedade de respostas comportamentais pode ser vasta, já que a mesma emoção pode resultar em ações diferentes, com base em influências contextuais e individuais.

Um exemplo é a interação entre o medo e a coragem em decisões de risco. Em um contexto desafiador, o medo pode alertar para possíveis ameaças, enquanto a coragem pode motivar o sujeito na busca por oportunidades de ação. Essa interação destaca como as emoções, incluindo as contraditórias, orientam a avaliação de riscos e benefícios, orientando as decisões de maneira única.

Além disso, devemos prestar bastante atenção à ação recursiva das emoções sobre si mesmas e sobre os demais processos intrapsicológicos. A recursividade das emoções é evidenciada quando a experiência emocional de um indivíduo, ao interagir com seu ambiente, não apenas influencia sua percepção subjetiva, mas também se torna um componente ativo na produção de novas emoções, não raras vezes, mais intensas.

Por exemplo, imaginemos uma pessoa experimentando ansiedade em um ambiente social desafiador. Esse estado emocional inicial pode ser percebido como uma figura emocional que se destaca no contexto. À medida que o indivíduo sintetiza essa ansiedade, com a percepção do ambiente e das interações sociais reais e imaginadas, ela se torna um fundo para a interpretação subsequente de eventos. Se a pessoa, durante esse processo, interpreta a reação dos outros como negativa ou ameaçadora, a ansiedade inicial pode se intensificar, tornando-se uma fonte para a produção de uma nova emoção mais intensa, como o medo, por exemplo.

Nesse ciclo recursivo, a percepção da própria ansiedade influencia a interpretação dos eventos, contribuindo para a eliciação de novas emoções mais intensas. Esse fenômeno destaca a dinâmica transversal complexa das emoções, a partir da qual a interação constante entre percepção e novas emoções cria um ciclo recursivo que orienta a experiência cognitiva futura de maneira evolutiva e muitas vezes imprevisível.

É para esses cenários que a Teoria da Complexidade oferece um enquadramento conceitual valioso para a compreensão das influências que as emoções exercem no que podemos observar do comportamento humano. A imprevisibilidade razoável das respostas emocionais, quando interpretada à luz dos seus princípios orientadores, destaca a necessidade da utilização de abordagens adaptativas e do reconhecimento da diversidade de influências que orientam nossas experiências emocionais, como acima exemplificado.

Então, o desenvolvimento de novos métodos de estudo e de instrumentos de pesquisa é fundamental para o progresso da pesquisa e o acesso a aspectos do fenômeno emocional até então insensíveis ao nosso arsenal metodológico (WATZLAWIK; SALDEN, 2022). Assim, as emoções, com seus elementos intrapsicológicos encobertos, apresentam-se como um terreno fértil para explorar os limites da compreensão em um contexto complexo e dinâmico.

Como anteriormente explicado, em ambientes menos estruturados, a imprevisibilidade do comportamento humano revela-se como um desafio constante e uma característica inerente à complexidade das interações humanas. Nesses casos, a interconexão dinâmica de variáveis e a multiplicidade de influências contribuem para a natureza fluida e em constante evolução das escolhas humanas.

A imprevisibilidade, nesse contexto, é alimentada pela diversidade de respostas emocionais, experiências subjetivas e tendências de ação. A ativação fisiológica, ao modular a percepção e a interpretação das informações, influencia as decisões de maneira mutual e, não raras vezes, imprevista. A experiência subjetiva, com sua capacidade de ressignificar emoções ao longo do tempo, adiciona camadas de complexidade à interpretação de eventos em ambientes não estruturados, produzindo mudanças de sentido ao longo do tempo.

Para ilustrar como as emoções influenciam, decisivamente, a previsibilidade do comportamento, podemos examinar um exemplo do ambiente de trabalho. Imaginemos um cenário em que um líder expressa empatia e reconhecimento, por meio de sua comunicação e pela inferência a partir de suas decisões, diante de um desafio enfrentado pela equipe. Essa expressão emocional pode resultar em maior coesão, colaboração e engajamento, mas a resposta de cada membro pode variar amplamente devido à diversidade de interpretações emocionais individuais. Alguns membros da equipe podem ser motivados pela empatia, enquanto outros podem responder de maneira mais reservada e menos solidária, influenciando a dinâmica do grupo. Por sua vez, o líder também interpreta essas reações, o que pode levá-lo a reorientar suas decisões para a próxima vez que tiver que motivar a sua equipe. Esse exemplo nos ilustra a característica recursiva e mutual das relações e das percepções que temos a partir das inferências que fazemos, no contexto das emoções.

As inferências, mencionadas no exemplo, são muito significativas para a previsão do comportamento. Apesar de não ser o nosso propósito tratar, especificamente, do processo inferencial, é necessário apontar para o aspecto intrapsicológico que Aaron Beck chamou de tríade cognitiva (TORO-TOBAR; GRAJALES-GIRALDO; SARMIENTO-LÓPEZ, 2016). Tal formulação descreve como adultos deprimidos tendem a pensar sobre si mesmos, o mundo e o futuro, por meio de opiniões negativas. Beck, a partir dessa observação, identificou padrões de pensamento desadaptativos que antecedem aos sentimentos verbalmente expressos, o que é importante para nossa reflexão, e os chamou de erros cognitivos, incluindo: (1) inferência arbitrária (conclusões rápidas com base em evidências limitadas), (2) abstração seletiva (foco em algumas evidências para tirar conclusões) e (3) generalização excessiva (atribuição de significado negativo a um evento que permeia todo o semelhante), entre outros.

Então, podemos notar que essa influência (des)adaptativa da capacidade de inferir se torna fundamental para a compreensão do processo decisório individual e como as emoções podem distorcer, completamente, a percepção e outros processos superiores. Esses aspectos são descritos por Beck e Deffenbacher (2000), com riqueza de detalhes, no livro intitulado “Prisoners of hate: the cognitive basis of anger, hostility, and violence”.

Uma vez que essas inferências, como mostramos em nosso exemplo, se referem às reações dos membros da equipe, a natureza recíproca da construção cultural indivíduo-social (PIRES, 2023b) é, portanto, um bom ponto de partida para a compreensão do papel das emoções nesse processo inferencial e nos possíveis efeitos dos seus erros. Nesse contexto, as contribuições de Beck revolucionaram a compreensão da microgênese na formação de crenças e seus efeitos generalizadores, destacando a influência do pensamento nas ações, concebidas como comportamento intencional.

Portanto, a imprevisibilidade do comportamento, em ambientes menos estruturados, destaca a necessidade da elaboração de abordagens adaptativas e flexíveis para a compreensão e antecipação das ações humanas. Reconhecer a intrincada teia de influências emocionais e cognitivas, em constante interação, proporciona percepções valiosas para lidar com a incerteza inerente a esses contextos, promovendo uma compreensão mais integral e dinâmica das escolhas humanas. Em última análise, a imprevisibilidade é um convite para a apreciação da riqueza e complexidade inerentes à condição humana, o que requer de nós paciência e perseverança na criação de métodos.

Entretanto, destacamos que não é essa visão que predomina no contexto científico, mas a utilização instrumental da observação do comportamento, com destaque para o não-verbal, vem sendo sistematizada e automatizada na tentativa de realizar triagens, seleções e predições, em cenários que exigem análise de risco. Então, com base nos argumentos que apresentamos, é possível que o fracasso do programa norte-americano conhecido como SPOT (Triagem de Passageiros por Técnicas de Observação) tenha ocorrido devido à rigidez das regras introduzidas em sistemas cibernéticos digitais que faziam a pré-análise automatizada do comportamento não-verbal (DENAULT et al., 2018). Além disso, as avaliações realizadas dão conta da grande quantidade de falsos positivos produzidos pelo sistema (UNITED STATES OF AMERICA, 2011), outro indicador de nossa hipótese sobre a possível rigidez das secretas regras de operação do mencionado sistema.

 

8.  Considerações Finais

A previsão de comportamentos complexos é uma tarefa formidável devido à multiplicidade de variáveis e interações envolvidas. A Teoria da Complexidade, ao reconhecer o comportamento humano como expressão da indissociável relação entre o individual e o social, destaca diversos desafios inerentes a essa previsão. A multifinalidade, a equifinalidade e a interconexão de fatores dificultam o estabelecimento de relações causais objetivas e claras, o que contraindica a utilização de abordagens diretas na antecipação de comportamentos específicos. Além disso, a dinâmica e a adaptabilidade dos sistemas complexos implicam que mudanças sutis em variáveis podem desencadear resultados significativamente distintos, ampliando as dificuldades para uma previsão mais precisa.

Nessa direção, a Teoria da Complexidade sugere que os sistemas, incluindo os sistemas comportamentais, têm a capacidade de se ajustarem e evoluírem em resposta a mudanças nas condições ambientais e psicológicas. Isso implica que a previsão de comportamentos futuros deve levar em conta não apenas o estado atual do sistema, mas também sua capacidade de se adaptar a cenários em constante mudança. Por exemplo, em situações de estresse, a capacidade de adaptação do comportamento humano pode resultar em respostas inesperadas, desafiando previsões baseadas em condições passadas, como as inúmeras demonstrações de empatia e generosidade que ocorreram nos campos de concentração nazistas, a despeito do contexto de extrema violência (FRANKL, 2013).

O papel da incerteza na previsibilidade do comportamento destaca que, mesmo com avanços em métodos estatísticos e modelos preditivos, há limites para a precisão dessas previsões. Isso, então, desafia as abordagens determinísticas, incentivando uma apreciação mais realista da complexidade inerente aos temas sociais.

Aceitar a incerteza como parte integrante da previsibilidade do comportamento humano implica reconhecer as limitações das abordagens simplificadas e promover a relevância da busca por novas abordagens mais integrais e adaptáveis na análise de padrões comportamentais. É reconhecer que os sistemas são híbridos, nos quais alguns aspectos se mostram por meio de padrões relativamente estáveis e sensíveis aos instrumentos de pesquisa, enquanto outros elementos são extremamente dinâmicos e respondem por meio de distintas velocidades e padrões de mudanças. Compreender essa dinâmica não apenas aprimora as abordagens preditivas, mas também enfatiza a importância de estratégias que reconheçam a complexidade inerente ao comportamento humano.

Apesar dos avanços significativos na compreensão das emoções e da previsibilidade do comportamento, diversas questões permanecem em aberto, delineando um terreno fértil para pesquisas futuras. Uma questão central é como a variabilidade individual das respostas emocionais se reflete em padrões comportamentais distintos, considerando a interação complexa de fatores.

Além disso, a influência de variáveis culturais na manifestação e interpretação de emoções é uma área que exige investigação mais aprofundada. Essa orientação é fundamental quando se trata de discernir sobre como as pessoas fazem as suas escolhas sobre como proceder para alcançar os seus objetivos. Muito da decisão pelo emprego de métodos violentos de baixa e média intensidades tem relação com essa distinção, já que pessoas sujeitas à mesma cultura coletiva e suas sugestões se comportam de formas muito distintas. Como, então, a partir das mesmas orientações culturais, diferentes expressões emocionais se mostram em distintos comportamentos?

Outra área de pesquisa intrigante é a exploração das dinâmicas temporais das emoções e como elas impactam a previsibilidade do comportamento. Como as emoções evoluem e interagem, recursivamente, em resposta a eventos do ecossistema cultural, e como essa evolução se desenvolve no tempo e influencia decisões futuras?

Ao explorarmos a interseção entre complexidade, emoções e previsibilidade do comportamento, emergem percepções significativas que ampliam nossa compreensão da dinâmica intrincada que permeia a experiência humana. Iniciamos nossa jornada ao apresentar os fundamentos da Teoria da Complexidade de Edgar Morin, destacando princípios como a multifinalidade, equifinalidade e a interdisciplinaridade. Adentrando na complexidade do comportamento humano, exploramos a influência das emoções como elementos complexos, ressaltando como sua dinâmica orienta as respostas individuais, decisões e os padrões comportamentais.

 

9.  Referências

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