Vigilância remota para predição do comportamento e linguagem corporal

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Remonta ao ano de 2008 os passos para o desenvolvimento de uma tecnologia, para avaliar os comportamentos e “prever” o que pudesse ocorrer – realizar a vigilância remota para predição do comportamento. Essa tarefa ficou a cargo da Divisão de Fatores Humanos e Ciência do Comportamento, órgão do Departamento de Segurança Interna [Department of Homeland Security – DHS].[1]

Não estamos aqui tratando dos sistemas de vigilância tradicionais por meio de centrais de câmeras, mas sim de algo mais avançado com a utilização de vários sensores e de inteligência artificial para analisar a imensa quantidade de dados.

O DHS divulgou que os testes preliminares atingiram cerca de 70% de precisão. [2] No entanto, este não foi um estudo controlado e pesquisadores da Lawrence University questionaram sua validade, pontuando a falta de evidências. [3]

Por meio de sensores remotos, o “sistema” mede a pulsação, a temperatura da pele, a respiração, identifica as expressões faciais, o movimento corporal, a dilatação da pupila e outros “padrões psicofisiológicos/comportamentais” para identificar possíveis ameaças. A tecnologia vem sendo usada em aeroportos, fronteiras e eventos especiais. [4]

A imprensa informou que as unidades móveis transmitem dados para analistas, que usam “um sistema para reconhecer, definir e medir sete emoções primárias e sinais emocionais que se refletem nas contrações dos músculos faciais”. O sistema é denominado MALINTENT. Os resultados são transmitidos de volta aos agentes do governo que são os avaliadores. [5]

O DHS fez uma avaliação do impacto na privacidade nos cidadãos, descrevendo o sistema da seguinte forma: [6]

    • Sensores cardiovasculares e respiratórios remotos para medir a frequência cardíaca e a respiração;
    • Rastreadores oculares remoto;
    • Câmeras térmicas que fornecem informações sobre a temperatura da pele no rosto;
    • Câmeras de vídeo de alta resolução para observar expressões faciais e movimentos do corpo;
    • Captação de áudio para analisar mudanças no tom de voz;
    • Outros sensores, detecção de feromônios etc.
Após a aquisição dos dados, os resultados agregados são anonimizados. Câmeras e sensores são usados para medir e rastrear as mudanças na linguagem corporal de uma pessoa, o tom de sua voz e até as alterações do ritmo da sua fala. Ativistas dos direitos humanos levantaram relevantes preocupações com a privacidade. Entretanto o DHS afirma que os dodos serão apagados após cada triagem e nenhuma informação pessoal seria usada para identificar assuntos, criar arquivos ou listas.


 

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Outros pesquisadores, como Tom Ormerod, da Unidade de Especialização em Investigações da Universidade de Lancaster, argumentam que as ansiedades de viagens comuns podem causar falsos positivos. Ele afirma que mesmo uma simples varredura de íris ou a tomada de uma impressão digital na imigração é suficiente para elevar a frequência cardíaca da maioria das pessoas. [7]

Outros estudiosos se opõem à própria premissa do sistema. Steven Aftergood, analista sênior de pesquisa da Federação de Cientistas Americanos, declarou acreditar que a premissa dessa abordagem – de que existe uma assinatura fisiológica identificável unicamente associada a intenções maliciosas está equivocada. Ele demonstra a preocupação com a abundância de falsos positivos, frequentemente rotulando pessoas inocentes como potenciais terroristas e tornando o sistema impraticável em um aeroporto movimentado. [8]

Crítica necessária à vigilância remota para predição do comportamento

vigilância remota para predição do comportamentoDevido à suposta capacidade do sistema de “ler as intenções das pessoas”, a crença de que isso seja possível já potencialmente perigosa e pode levar à violação da privacidade dos cidadãos sob vários pontos de vista. Esse assunto foi tratado em uma série intitulada “Person of Interest”. Vale a pena assistir.

Venho há mais de uma década, tratando das possibilidades e limitações da análise da linguagem corporal.

A linguagem corporal é uma forma primitiva de comunicação, extremamente relacionada ao funcionamento do Sistema Nervoso Autônomo [SNA]. Então, ela não revela os pensamentos de ninguém, mas sim algumas das emoções básicas subjacentes aos pensamentos.

Dessa forma, como tratado em outros diversos artigos ao longo desse tempo:

Não existe um único e definitivo sinal da mentira

Quais são as técnicas para a detecção de mentiras?

Posso acreditar na linguagem corporal para descobrir mentirosos?

Venho demonstrando que a observação comportamental consegue chegar à conclusão sobre a ocorrência da fase de ativação do SNA, mas não é possível distinguir entre as diferentes razões pelas quias o SNA pode ter sido ativado ou alguma sutil mudança foi notada.

Igualmente será possível encontrar na mesma situação um terrorista preparando um ataque e alguém que acabou de receber a notícia que sua mãe faleceu….. Então fica difícil usar a vigilância remota [no modelo F.A.S.T.] para predição do comportamento.

Em recente reportagem, ficamos sabendo de vários sistemas de monitoração do comportamento dos cidadãos chineses. Um deles é conhecido como “Sharp Eyes”:[9]

As comunidades rurais na China estão enfrentando uma nova geração de tecnologia de vigilância que interconecta as atividades e interesses diários dos cidadãos com o apetite cada vez maior do governo por monitorar sua população.

O sistema, conhecido como “Sharp Eyes”, se baseia em medidas tecnológicas – e na ideia de que as pessoas devem estar dispostas a monitorar e denunciar seus vizinhos, amigos e até mesmo familiares.

Será esse o fim definitivo de nossa privacidade?

Então cuidado!

Boa leitura

Sergio Senna

Referências

[1][6] Notas da reunião, ocorrida em 24 de julho de 2008, sobre implementação de medidas de proteção à privacidade nas atividades governamentais de aquisição de dados.

[2][3] Weinberger, S. Terrorist ‘pre-crime’ detector field tested in United StatesNature (2011). https://doi.org/10.1038/news.2011.323

[4][5] Egbert, S., & Paul, B. (2018). Preemptive screening for malintent: The future attribute screening technology (FAST) as a double future device. Futures. doi:10.1016/j.futures.2018.04.003

[7] DHS “pre-crime” detectors draw criticism. <https://www.homelandsecuritynewswire.com/dhs-pre-crime-detectors-draw-criticism> Acesso em 02 de janeiro de 2022.

[8] Equipamento tenta prever intenções terroristas. <https://veja.abril.com.br/ciencia/equipamento-tenta-prever-intencoes-terroristas/> Consulta em 02 de janeiro de 2022.

[9] How China harnesses data fusion to make sense of surveillance data. <https://www.brookings.edu/techstream/how-china-harnesses-data-fusion-to-make-sense-of-surveillance-data/> Consulta em 02 de janeiro de 2022.

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