Linguagem corporal e emoções

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A linguagem corporal e as emoções estão intimamente associadas. A observação da linguagem corporal é fundamental para termos acesso aos primeiros processos fisiológicos/psicológicos de uma pessoa.

Ela não vai revelar segredos, nem é mágica como você verá divulgado por muitos influenciadores digitais ou vendedores de livros. Nesse artigo explicarei a que tipo de conhecimento você tem acesso você tem a partir da observação do comportamento não-verbal e o que pode mudar a partir do momento que outros processos psicológicos entram em ação.

Vale alerta-lo sobre a grande quantidade de conhecimento mitológico  e de baixa qualidade técnico-científica disponível em uma grande parte dos materiais disponíveis sobre esse assunto. Você pode ver alguns deles a partir de nossa página sobre Mitos em Linguagem Corporal.

O que são emoções?

Para explicar a linguagem corporal, primeiramente precisamos entender as nossas emoções.

Assim como o pensamento, as emoções são um assunto de elevada complexidade no campo de estudo da Psicologia. Ao longo dos anos, muitas teorias e ideias foram produzidas sobre as nossas emoções.

Muito se diz, mas pouco resta de consenso quando se trata dos fenômenos emocionais humanos. Até mesmo especialistas experientes ficam confusos diante da vastidão de textos, estudos, maneiras de classificar e da farta literatura acerca das emoções. [1]

O que há de comum nas teorias sobre emoções são esses três elementos:

Para que alguém se perceba emocionado, é preciso que nosso sistema nervoso seja ativado. Em questão de segundos, uma grande quantidade de diferentes substâncias químicas são liberadas em nossa corrente sanguínea provocando os efeitos fisiológicos que todos nós sentimos [nó na garganta, frio na barriga, arrepios etc]. Então, sob esse ponto de vista, as nossas emoções são fisiologicamente determinadas. [2]

Emocionar-se é experimentar subjetivamente o que está ocorrendo

É dar significado

A expressão não-consciente é aqui usada preferencialmente em relação à palavra inconsciente por ser mais geral e não ser a minha intenção explicar a não-consciência por meio da teoria psicanalítica. Ademais, a palavra inconsciente já possui várias interpretações do senso comum, o que desaconselha o seu uso nesse texto.

Além das sensações fisiológicas referentes às emoções, existe uma experiência subjetiva [consciente e não-consciente] que está relacionada a esses estados fisiológicos. Normalmente, pode estar associada ao ambiente, à percepção de ameaças ou até mesmo aos nossos próprios pensamentos, por exemplo.

É, portanto, uma formulação mais complexa que tem uma dimensão linguística e semiótica. A partir de um determinado momento de nosso desenvolvimento, nós damos significados aos estados fisiológicos percebidos. Em outros casos, nossos próprios pensamentos podem desencadear as emoções. Um exemplo ocorre com pessoas que ao pensar em cobras sentem medo. Apesar dos repteis não serem reais, mesmo assim algumas pessoas relatarão uma experiência subjetiva de MEDO.

Emocionar-se é, portanto, abstrair, “pensar” sobre o que está ocorrendo. Quando alguém faz uma narrativa sobre as emoções, está expressando por meio da linguagem, utilizando signos linguísticos, para “representar” uma aproximação linguística das sensações experimentadas e das relações entre isso, os seus pensamentos, os fatos que possam estar relacionados e as suas razões.

A experiência subjetiva não-consciente ocorre quando a pessoa não consegue encontrar palavras para descrever ou não consegue fazer uma relação entre as suas sensações fisiológicas [então ela sabe que existe uma emoção ocorrendo, pois sente no corpo] e o que está ocorrendo ou os motivos pelos quais esses “sinais” fisiológicos apareceram naquele momento.

Nas principais teorias sobre emoções você poderá verificar que a essa experiência subjetiva [consciente ou não-consciente] se dá o nome de SENTIMENTO. [3]

Um terceiro elemento importantíssimo das emoções é que a “valência” da emoção te prepara, te predispõe a comportar-se, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. É necessário deixar claro que deixar de fazer algo também é um comportamento.

Esse aspecto é levado em grande consideração pelas pessoas que analisam o comportamento não-verbal, pois, em alguma medida, todos estamos interessados em prever o comportamento futuro uns dos outros…..

Uma vez que as nossas emoções nos predispõem para certa classe de comportamentos esperados, muita gente entende que a sua observação é a “chave” para conseguir algum tipo de vantagem…

Para mais detalhes e exemplos sobre emoções veja: Emoções – 6 fatos incontestáveis

Linguagem corporal e emoções

A linguagem corporal pode nos revelar o início das ativações fisiológicas relacionadas às emoções. Pode também, pelas suas sutis alterações em amplitude, frequência e qualidade dos movimentos corporais, indicar estados como nervosismo, reflexão e dúvida, entre outros.

A base dessa ligação está nos efeitos fisiológicos causados pela liberação das substâncias químicas controladas pelo nosso Sistema Nervoso Autônomo. O corpo, por exemplo, ao perceber uma situação de perigo coloca o organismo em alerta. Pronto para fazer algo, alteramos o nosso padrão de funcionamento, o que nos permite observarmos essas alterações e as associarmos a variados estados emocionais.

Quando se faz a análise de veracidade pela linguagem corporal, observa-se principalmente os movimentos e expressões associadas ao nervosismo. Por isso nenhum método é 100% seguro, pois o que observamos no comportamento é a associação do nervosismo à mentira. Nem sempre quem mente fica nervoso e nem sempre alguém fica nervoso porque está mentindo. 

No que diz respeito à expressões faciais e às microexpressões, o raciocínio é semelhante. Existem alguns movimentos sutis da musculatura facial que estão associados a um certo grupo de emoções conhecidas como básicas.

Ao observarmos a ocorrência desses movimentos sutis podemos inferir qual emoção a pessoa está começando a experimentar. Observe a figura abaixo e reconheça cinco emoções pelo seu padrão de expressão facial. Pode aproveitar e também fazer o nosso teste sobre o reconhecimento de expressões faciais.

Linguagem corpora e emoções

Então a linguagem corporal, incluindo a observação das microexpressões e a movimentação do corpo vão te dar uma ideia sobre os estados emocionais daquela pessoa. Principalmente nos momentos em que um controle consciente do comportamento não estiver sendo executado.

A primeira emoção – Linguagem corporal e emoções

Na literatura sobre linguagem corporal, encontramos com muita frequência as expressões emoções verdadeiras/falsas. Fico sempre impressionados como tão rapidamente os observadores entram num jogo de atribuir um valor negativo ou positivo ao que observam.

Minha sugestão é sempre atrasar esses juízos de valor e esperar que o fenômeno observado feche o seu ciclo de ocorrência. Vou explicar a razão pela qual entendo que não é correto atribuir os adjetivos falsa/verdadeira à todas as emoções observadas por meio da linguagem corporal.

Quando o organismo percebe algum estímulo que entra no seu campo de atenção há uma seleção sobre aquilo que será tratado pelo nosso sistema nervoso e sobre aquilo que não tem “relevância”. Essa parte inicial da percepção não é necessariamente consciente, entretanto pode ativar nosso corpo, como é o caso do medo, por exemplo. Como é possível imaginar, não conseguimos lidar com a gigantesca quantidade de estímulos que nos rodeiam. Então, muita coisa passa despercebida.

Quando alguém observa uma microexpressão em outra pessoa, está vendo a primeira reação, um indicador da primeira emoção que foi provocada por algum estímulo [real ou imaginário]. Nada garante que essa “primeira reação” orgânica seja mais verdadeira do aquilo que se seguirá dentro do ciclo de processos psicológicos daquele sujeito.

Uma pessoa está conversando e lhe respondem com rispidez, ela se percebe fisiologicamente ativada e reconhece que está com raiva. Apesar da vontade de sentir vontade de devolver as ofensas, ela decide tratar seu interlocutor com delicadeza e contornar a situação pois vê que a pessoa não entendeu bem a sua argumentação anterior.

Nesse exemplo vemos claramente que não faz sentido atribuir à raiva [primeira emoção percebida] o valor de verdadeira, pois o controle emocional consciente realizado no processo garantiu a serenidade para a resolução de um conflito [causador da raiva] motivado por um mal entendido.

Em minha opinião, considerando o nosso exemplo acima, a raiva não é mais verdadeira ou falsa do que as demais emoções que se seguiram.

Conclusão

Podemos concluir que que compreender como as emoções ocorrem é uma tarefa bastante complexa. Entretanto, há uma convergência teórica de que as emoções podem ser entendidas por meio de três elementos básicos: (a) a ativação fisiológica; (b) a experiência subjetiva consciente e não-consciente; (c) uma tendência para o comportamento.

Nesse contexto, a linguagem corporal está relacionada aos primeiros estados emocionais, não raras vezes ainda não-conscientes, que se sucedem conforme vivenciamos nossas experiências pessoais e coletivas. Observa-la nos ajuda a entender a gênese  do processo emocional e de sua participação em nossos demais processos  psicológicos.

A linguagem corporal não é mágica, nem vai te revelar segredos inescrutáveis. Ela vai indicar as primeiras emoções pelas quias passa um sujeito, o que por si só já é uma excelente fonte de informação.

Sua correta observação e interpretação pode ajudar muito nas suas interações com outras pessoas e até mesmo para aumentar a sua capacidade de auto-observação.

um abraço

Sergio Senna

Referências

[1]  Ekman, P (2016). What scientists who study emotion agree about. Disponível em: <https://ibrale.com.br/wp-content/uploads/2021/12/What-Scientists-Who-Study-Emotion-Agree-About-1.pdf>;

[2] Damasio, A.R. (2004) Em Busca de Espinosa – Prazer e dor na ciência dos Sentimentos; tradução: Laura Teixeira Motta – São Paulo: Companhia das Letras.

[3] Damasio, A.R. (2000) O Mistério da Consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras.

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