Solitude ou solidão? estar em paz consigo!

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Essa semana, vi uma daquelas frases inspiradoras, as quais tenho feito tantas críticas. Essa, no entanto, me levou a uma reflexão que desejo compartilhar. Tratava do poder viciante da solitude ou solidão, sobre o que faremos o debate a seguir.

Fiz um compartilhamento em meu perfil do Facebook e diversas pessoas colaboraram com suas ideias. Uma delas, introduziu uma reflexão sobre a possível diferença de significado entre solitude e solidão

Significado é um campo semiótico de abrangência coletiva. É o que encontramos nos dicionários, por exemplo. Sentido é uma elaboração pessoal, construção realizada a partir do significado. Tem relação direta com as experiências subjetivas de cada um de nós com aquela palavra (Salvatore et al., 2021).

Uma das respostas emocionais mais conhecidas, o sentimento, tem origem nessa construção subjetiva do sentido durante e experiência emocional completa (Barrett & Westlin, 2021).

Então, as palavras nos ajudam a sermos mais específicos. Entretanto, há de se considerar a experiência subjetiva individual com os conceitos e que, para diferentes pessoas, teremos diferentes conceitos e explicações sobre as mesmas palavras e significados.

 

Solitude ou Solidão?

Para mim, o conceito de solidão sempre teve uma conotação negativa. Era o ato de estar só, desacompanhado. Era até mais do que apenas estar só. Significava também não ser lembrado por outros ou acompanhado da sensação de que ninguém se importava comigo.

solitude-ou-solidao-ibraleNesse momento da reflexão é importante dizer que os conceitos, quando internalizados e elaborados em sentidos, se imbricam com nossas emoções, com as memórias delas. É por isso que os mesmos significados podem eliciar até mesmo emoções contraditórias em distintas pessoas. É o caso de experiências relacionadas a uma descida de rapel, por exemplo. Uma determinada pessoa pode relacionar a essa atividade uma emoção muito positiva como alegria. Outro indivíduo, diferentemente, pode se referir à mesma experiência [rapel] como medo, por exemplo.

Por isso, quando alguém traz uma palavra que está “livre” desse emparelhamento emocional antecedente, parece ser sempre uma nova oportunidade para “rotular” a experiência subjetiva de uma forma totalmente nova e livre da necessidade de ressignificações.

Ressignificação é, em resumo, entrelaçar novas emoções e distintas cognições  às experiências subjetivas pretéritas.

Em nosso caso concreto, minha amiga explicou que, segundo Osho [um guru indiano para lá de polêmico]:

Solidão é ausência do outro. A solitude com você é a presença de si. A solitude é muito positiva. É uma presença, uma presença transbordante. Você se sente tão pleno de presença que pode preencher o universo inteiro com a sua presença, e não há nenhuma necessidade de ninguém. Osho The Discipline of Transcendence, Volume 1 Chapter 2

Independentemente da polêmica vida de tal mestre indiano, o que nos interessa é a definição de solitude para inferirmos que tipo de experiência subjetiva nos pode advir. Uma diferença bastante notável é a questão da ausência do outro e a paz de espírito. Podemos complementar a concepção acima, dizendo que somente estarão bem consigo mesmos se aceitarem essa ausência e conseguirem conviver com a sua própria existência, sem que ela seja ofuscada pela presença dos outros.

♦ DICA

Uma ideia adicional se refere ao “outro relevanteimaginado ou lembrado. Esse sempre estará conosco. Então, a rigor, nunca estamos radicalmente sozinhos, isolados ou solitários. É a lembrança de alguém, de suas palavras e de suas ações…. É a escrita de nossa vida interativa em nossas memórias. É uma das nossas definições: somos construtores e memórias. Que nos acompanharão sempre, se o Alzheimer deixar….. 

Em minha experiência pessoal, gosto de momentos de isolamento. Não somente para me sentir independente dos outros, mas também para ter clareza das minhas prioridades. Pois aquilo que mais fizer falta, é o que venho priorizando na vida. Nem sempre essas prioridades são claras ou totalmente conscientes. Dessa forma, podemos rever nossas prioridades, o que representa uma oportunidade para a reflexão sobre os valores da vida e sobre como estamos empregando o nosso tempo.

 

Conclusão

Diversas pesquisas mostram que o ser humano, em geral, não consegue viver sozinho (e.g. Manzey, 2004; Bhatti, & ul Haq, 2017; Best et al., 2021; Lieberz et al., 2021). Não é sem razão que uma forma eficiente e antiga de tortura é isolar uma pessoa…..
 
Entretanto, a reflexão que me ocorreu foi sobre a extrema necessidade de experimentar momentos de solidão de tempos em tempos.
 
♦ IMPORTANTE
Somente sentiremos falta do que nos completa ao lidarmos com a ausência dessas coisas e pessoas. Se a solidão nos ajudar a simular esse processo sem, de fato, perdê-las, cresceremos após a experiência, sem dúvida.
 
Apesar de importantes, vislumbro que somente serão úteis para aqueles que estão em paz consigo mesmos e em dia com seus desejos e planos…..
 
Entretanto, para os aptos a estarem consigo mesmos, essa é uma verdade ensurdecedora, ainda que a solidão ou solitude seja temporária…..
Finalizo, propondo uma nova reflexão com base no pensamento de Jung: será que a presença das pessoas em nossa vida está tão aversiva que, ao nos afastarmos delas, sentimos uma tão intensa paz a ponto de não desejar o seu retorno?
 
Só não vale dizer que eu aderi ao ultrarromantismo da metade do Sec. XIX…..
 

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Referências

Bhatti, A. B., & ul Haq, A. (2017). The pathophysiology of perceived social isolation: effects on health and mortality. Cureus9(1).

Barrett, L. F., & Westlin, C. (2021). Navigating the science of emotion. In Emotion measurement (pp. 39-84). Woodhead Publishing.

Best, L. A., Law, M. A., Roach, S., & Wilbiks, J. M. (2021). The psychological impact of COVID-19 in Canada: Effects of social isolation during the initial response. Canadian Psychology/Psychologie canadienne62(1), 143.

Lieberz, J., Shamay‐Tsoory, S. G., Saporta, N., Esser, T., Kuskova, E., Stoffel‐Wagner, B., … & Scheele, D. (2021). Loneliness and the social brain: how perceived social isolation impairs human interactions. Advanced Science8(21), 2102076.

Manzey, D. (2004). Human missions to Mars: new psychological challenges and research issues. Acta Astronautica55(3-9), 781-790.

Salvatore, S., De Luca Picione, R., Cozzolino, M., Bochicchio, V., & Palmieri, A. (2022). The role of affective sensemaking in the constitution of experience. The affective pertinentization model (APER). Integrative psychological and behavioral science56(1), 114-132.

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